quinze

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BILLIE

Se eu te dissesse que sei como cheguei aqui, seria mentira.

Sempre fui uma criança extrovertida. Meu irmão mais velho foi minha única companhia por anos; meus pais nunca tiveram tempo. Conforme ficava mais velha, a energia que acumulava no meu peito fazia com que eu quisesse desesperadamente colocá-la para fora.

No dia que me inscreveram na primeira aula de dança, tudo mudou.

Me lembro do piso gelado da sala de aula e dos longos espelhos que tomavam uma parede inteira; o frio na barriga de começar algo do zero e fazer novas amizades.

Os meses passaram tão rápido, algo incomum para uma menina de quinze anos, mas a excitação que aquela arte me trazia era de outro mundo. Não só me senti pela primeira vez boa em alguma coisa, sem ter nenhum envolvimento dos meus pais, como fazia questão de ficar algumas horas extras treinando no meu quarto para ser melhor ainda.

Além de tudo, meu lado social estava prosperando. Eu finalmente não me sentia mais sozinha. Se foram as noites em que eu chorava contra o travesseiro ao pensar que se quisesse fazer uma festa de aniversário, apenas três pessoas iriam.

Sem contar com os funcionários, claro.

Foi por isso que meu mundo desabou quando ouvi que não poderia continuar. Meu corpo era sensível demais para que eu fizesse tanto esforço, e mesmo com a promessa que tentei apelar para minha mãe ao dizer que pegaria leve, não foi o suficiente.

O que seguiu foram dias e horas de dor, tanto física quanto emocional. Perdi a única coisa que eu tinha sentido paixão em fazer, e ainda por cima, meu joelho vivia dolorido.

Mesmo assim, persisti até atingir meu limite. Acho que talvez tenha sido aquele momento; o dia que comecei a mentir para minha mãe dizendo que sairia com amigos quando na verdade, iria dançar.

Em uma sexta-feira, com as pernas quase cobertas por fitas kinesio, precisei ir ao hospital tamanha a dor que senti quando cheguei em casa.

A partir do dia que minha mãe descobriu que sua filha mais nova havia mentido, as coisas mudaram drasticamente na nossa relação. Não sei se ela me via como perfeita, ou se pensava que eu a considerava minha melhor amiga e confidente. O que eu sei, é que nunca mais fomos as mesmas.

Eu não dançava mais. Meu corpo estava tomado por dores intensas quando tentava levantar da cama, então em um dado momento, simplesmente não saia mais de lá.

Ouvi algumas vezes sobre depressão, mas nunca achei que viveria na pele.

É como se as pessoas recebessem dez colheres para fazer atividades durante o dia. Escovar os dentes? Uma colher. Trocar de roupa? Uma colher. Para mim, afundada na depressão, eu precisava de vinte colheres para me levantar da cama, quanto mais tomar um banho. Já havia gastado todas as minhas colheres do dia apenas existindo.

Não se engane, eu tive dias bons. Acordava com pequeno pico de energia, descia pela primeira vez para me alimentar, e tomava banho por mais tempo do que precisava porque sabia que no dia seguinte as coisas mudariam.

Também não facilitava que minha família contratasse funcionários para quase tudo que eu não estava fazendo. Ou seja, meu quarto estava sempre arrumado e a comida sempre disponível. Eu não tinha absolutamente nenhum estímulo para melhorar.

Foi quando minha mãe insistiu que eu frequentasse uma psiquiatra. Ela me convenceu com palavras doces, escolheu um dos meus dias bons para me levar.

Aquele senhor, entretanto, não entendia nada do que eu lhe contava. Via nos seus olhos cansados que não levava a sério nenhum dos problemas que enfrentava. Sai com uma receita de antidepressivos, as mãos tremendo de nervoso pelo descaso, e esperei minha mãe me buscar.

dial drunk // billie eilishOnde histórias criam vida. Descubra agora