vingt

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TRÊS ANOS DEPOIS

O conjunto de quadros conversam entre si, se completando. Não tenho certeza se ela notou isso quando decorou esse cômodo, mas até ai, não estou aqui como arquiteta para apontar defeitos.

Ela me encarava daquele mesmo jeito que conhecia bem; está esperando que invista mais sobre o assunto que acabei de lhe contar. Sinceramente, estava cansada demais de falar sempre sobre a mesma coisa, mas nesse ponto, era inevitável.

Rita quebra o silêncio, ajeitando a prancheta na sua mão. — Você chegou a dar uma olhada nos grupos de apoio que eu te indiquei, Laura?

Pressionei os lábios, procurando palavras certas para respondê-la. Não é a intenção, eu sei. Deveria me sentir confortável e lhe dizer o que está na minha mente. É assim que a terapia funciona, não é mesmo?

Mas esse assunto foi abordado algumas vezes e todas me deixam com um sentimento esquisito no peito, como um refluxo longo e torturante.

— Não — Respondi. Ela me entrega o olhar de antes, esperando que eu explique meus motivos — A verdade é que eu acho que vou ser a única idiota que está lá por causa de uma garota e não um familiar. Eu tenho certeza que a situação deles é bem pior que a minha...

Torci a boca no momento que as últimas palavras saíram da minha boca. Sabia que ela iria me corrigir por me diminuir de novo, e estava certa, mas isso não seria o suficiente para me fazer frequentar o grupo.

Faz exatamente três anos hoje desde o dia que me despedi da família inteira. Três anos que me senti usada, descartada e humilhada. Eu queria muito dizer que não tenho mais nenhum resquício no meu sistema, que sou uma mulher renovada. Quer dizer, eu mudei. A Rita elogia sempre que pode quando conto alguma coisa nova que fiz pelo que aprendi na terapia.

Mas ela estava lá, no fundo da minha mente.

— Eu entendo, Laura. Mas posso te dizer uma coisa? — Pergunta, mesmo que faça anos e eu nunca tenha recusado um conselho seu. Balanço a cabeça para que prossiga — Acho que você está arranjando desculpas porque não aceita que isso ainda te afeta.

Soltei o ar pelo nariz, sabendo que estava certa. — Talvez. É que não consigo evitar a não ser me sentir meio patética.

Rita sorri para mim, e sua expressão me traz um certo conforto. — Quanto você ainda pensa sobre a situação, Laura?

Sabia que aquela pergunta era quase retórica. Ela queria que eu visse o quanto me afeta, e aceitar que ainda faz parte de mim. É mais fácil falar do que fazer.

— Sobre a Liz; o quanto afeta a relação de vocês? — Completa. Mordo o lábio no momento que o silêncio se instala entre nós. Esse assunto só chegou aqui por causa dela.

Conheci a Liz no começo da faculdade. Os cabelos pretos e os olhos verdes escuros sempre me chamaram a atenção, mas nunca considerei que nós duas tivéssemos chance. Coincidentemente, começamos a trabalhar na mesma empresa juntas no final do ano passado, nosso primeiro emprego como recém formadas.

Desde o primeiro momento que conversamos na sala de descanso, eu sabia que minha relação com ela seria diferente de tudo que convivi desde que comecei a namorar. Liz era doce, educada com todo mundo que esbarrava, dedicada ao seu trabalho e extremamente empática.

Namorar com ela foi um tiro certeiro. Foi uma surpresa até para mim, que estava investindo nela.

Hannah brincava comigo todos os dias que a Liz era areia demais para o meu caminhãozinho. Não era questão de beleza, e sim de personalidade. Fazia anos que eu não gostava de uma mulher tão calma e compreensiva.

dial drunk // billie eilishOnde histórias criam vida. Descubra agora