Ayla

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Meus treinamentos com meu irmão eram sempre muito divertidos. Eu amava fazer guerra de bola de terra e hoje quando acabamos o meu cabelo estava todo sujo

— vocês fizeram isso de novo — nossa mãe reclamou vendo a sujeira no salão — podem limpar e tratem de ir para o banho

Usamos os dons para juntar cada grãozinho de terra de volta para os vasos e quando estava tudo limpo meu pai entrou

— eai quem ganhou hoje?

— eu como sempre — o Ariel sorriu vitorioso

— eu sempre deixo você ganhar

— conversa de perdedores isso

— teremos uma reunião importante agora, vão se limpar e me encontrem no escritório

Fui para meu quarto tomar um banho e encontrei o avelã dormindo na janela. Fiz um carinho em seu pelo macio antes de ir para o chuveiro. Demorei muito para conseguir tirar toda aquela terra que prendeu entre meus longos fios e assim que saí precisei desembaraçar tudo, o que levou mais tempo do que eu gostaria e me fez chegar atrasada

— está atrasada

— me perdoe, papai

— a época das chuvas vai começar e como vocês sabem sempre temos problemas com enchentes então vamos ter uma reunião com o reino da água para traçar planos

Fomos até a sala de reuniões e o Frederico estava em pé conversando com nossa mãe, o que deixou o papai mordido de ciúmes como sempre

— caramba como você está incrivelmente linda, a cada vez que te vejo me surpreendo mais

— oi, tio Frederico

Quando era pequena me acostumei a chamar ele de tio e isso acabou virando um costume que nunca perdi

— você não conhece meu filho Ygor

Me virei e um garoto da idade do meu irmão estava parado com os braços cruzados e o rosto sério. Ele era como o pai, tinha cabelos brancos e olhos azuis como o céu

— eai cara — meu irmão o cumprimentou

— não vejo você a um tempo

Os dois ficaram conversando e eu voltei a atenção para meus pai que tinha o braço ao redor da cintura da mamãe de uma forma bem possessiva

— vamos começar, precisamos voltar ainda hoje

Passamos horas debatendo sobre melhores estratégias de contenção de enchentes e deslizamentos. Eu era tão acostumada com esses assuntos que para mim era fácil.

Assim que a reunião acabou fiquei andando atoa pela estufa com o avelã que parecia se divertir muito com os dentes de leão que cresciam por ali

— oi

Me virei assustada e o Kelan estava parado com as mãos no bolso

— Kelan, você me assustou

— desculpa, eu sei ser silencioso quando quero

Ele sorriu e se aproximou de mim

— você voltou rápido

— fiquei com saudades demais

— você o encontrou?

— sim

— e onde ele está?

— você não tem que se preocupar com isso

— claro que tenho

— não, não tem

— não me trate como um passarinho indefeso

— só estou te poupando de um aborrecimento desnecessário

Eu ia reclamar mas antes que pudesse ele me beijou. Foi um beijo cheio de saudade que me deixou completamente distraída

— rum — ouvimos um pigarro e nos separamos

— papai

— majestade

Meu pai revezou o olhar dele para mim várias vezes e enfim bufou

— seu avô me disse uma vez que você seria meu carma, ele estava completamente certo. Vamos Kelan, temos um assunto para resolver

— sim, senhor

Antes de sair ele me deixou um beijo na bochecha e foi caminhando atrás do meu pai. Eu decidi segui-los escondida para saber o que iriam fazer então fui em passos lentos até as masmorras onde me abaixei atrás de um banco de pedra em uma das celas vazias

— Te dei uma chance e você a desperdiçou — meu pai disse para seu irmão que estava acorrentado em um gancho no teto

— você acabou com a minha vida

— você mesmo acabou com a sua vida

— você mentiu, manipulou a todos e no final quem saiu como ruim fui eu

— você tentou me matar, colocou minha esposa em risco

— você nunca gostou dela

— cale a boca — um soco em seu rosto e sangue voou pelas paredes — eu não quero ouvir sua voz

— é uma pena que a sua vadiazinha não tenha morrido naquela cabana, eu...

Ele sequer conseguiu terminar de falar porque o Kelan que até o momento se encontrava escondido nas sombras o socou no rosto com tanta força que ele desmaiou. Ele e meu pai ficaram se encarando um tempo com as respirações aceleradas

— me desculpa, majestade mas ele... não consegui me segurar

— pare de me chamar de majestade

— sim, majestade... digo... senhor

Meu pai revirou os olhos e sentou em uma cadeira

— Quando tinha uns 19 anos eu era um cara muito ruim. Passei por alguns traumas na infância que me deixaram incapaz de sentir qualquer coisa e isso me fez virar alguém que eu tenho vergonha de me lembrar. Meu pai queria me deserdar, ele decidiu que não me passaria a coroa e eu era ganancioso demais para permitir isso, então bolei um plano em que eu conquistaria a garota mais boazinha do mundo para limpar minha imagem. Manipulei a Lina, fiz ela se casar comigo escondido e a trai mais vezes do que gosto de me recordar e quando ela descobriu eu já não era mais o mesmo do início. Eu não sei como ela me perdoou já que até hoje não consegui me perdoar. Ver o Felipe aqui só me faz lembrar de tudo de ruim que eu fiz e não sei se sou forte o suficiente para matá-lo porque no fundo ele só me deu de volta o sofrimento que causei aos outros

— todo mundo merece uma segunda chance

— não consigo fazer isso

— você não precisa fazer — O Kelan se aproximou de meu pai e tirou a faca de sua mão — eu faço

— apenas lhe de uma morte rápida

Meu pai saiu e o Kelan ficou sozinho. Meu tio logo começou a acordar e olhou ao redor meio perdido

— você tem muita sorte por eu seguir ordens, caso contrário nesse momento eu estaria esfolando a sua pele e o faria engolir cada pedacinho por ter tocado naquilo que me pertence

Com um golpe rápido ele cravou a faca no peito do meu tio e assim ele morreu. Quando tudo ficou em silêncio eu o observei respirar algumas vezes e enfim sair pela porta.

AbominávelOnde histórias criam vida. Descubra agora