Hanói, Vietnã 10 de abril de 1814.
A cena era familiar até demais para o homem que a observava. Sua longa experiência lhe ensinara que não havia grande diferença entre um campo de batalha e outro – não depois que a batalha terminava, pelo menos.
A fumaça da artilharia pesada e dos inúmeros mosquetes e fuzis dos dois exércitos começava a se dissipar o suficiente para revelar a vitória da Tailândia e das tropas aliadas.
Com essa batalha, elas conquistavam o trecho ao longo das montanhas Bai Tho, a leste da cidade, e podiam voltar suas armas para a própria Hanói, para onde as forças vietnamitas, sob o comando de Soult, haviam recuado pouco antes. Mas o cheiro acre permanecia no ar e se misturava aos odores de poeira, lama, animais e sangue.
Apesar do barulho permanente – vozes gritando ordens, cavalos relinchando, lâminas de espadas chocando-se, rodas girando – havia a já conhecida sensação de um silêncio anormal, indistinto, agora que as armas de fogo haviam se calado.
O chão estava coberto de mortos e feridos. Era uma visão diante da qual o coronel lorde Vegas Theerapanyakul nunca conseguira ficar insensível. Alto, forte, moreno, com o nariz aquilino e as feições que pareciam ter sido esculpidas em granito, o coronel era temido por muitos. Mas, depois de um confronto, ele sempre percorria o campo de batalha para identificar os mortos de seu próprio batalhão e oferecer o conforto possível aos feridos. Theerapanyakul abaixou os olhos escuros e inescrutáveis, os lábios cerrados em uma expressão severa, encarando um amontoado escarlate no chão, as mãos atrás das costas, a grande espada da cavalaria, suja da batalha, guardada na bainha ao lado do corpo.
– Um oficial – disse ele, indicando a faixa vermelha com um leve aceno de cabeça. O homem que a usava estava de bruços, com o rosto enfiado na terra, os braços abertos e torcidos da queda do cavalo.
– Quem é ele? - O ajudante de ordens do coronel se abaixou e virou o oficial. O homem que Theerapanyakul pensara estar morto abriu os olhos.
– Capitão TEM Saengtham – chamou o coronel Theerapanyakul – o senhor foi ferido. Tom, peça para trazerem uma maca. Sem demora.
– Não – disse o capitão com a voz débil. – Acabou para mim, senhor. - O coronel lorde não o questionou. Apenas fez um gesto discreto para o ajudante de ordens, sinalizando para que esquecesse a maca, e continuou a examinar o capitão moribundo, cujo casaco escarlate estava ensopado de um vermelho ainda mais forte. Com certeza não lhe restavam mais do que uns poucos minutos de vida.
– O que posso fazer por você? – perguntou o coronel. – Quer água?
– Um favor. Uma promessa. - O capitão Saengtham cerrou as pálpebras de aparência ressecada sobre os olhos que se apagavam e, por um instante, o coronel pensou que ele havia partido. Por isso, apoiou-se sobre um dos joelhos, afastando a espada do caminho. Mas as pálpebras do capitão voltaram a se abrir. – A dívida, senhor. Eu disse que nunca a cobraria. – A voz dele agora estava ainda mais fraca, os olhos desfocados.
– Mas eu jurei que a pagaria mesmo assim. – O coronel Theerapanyakul se inclinou sobre o homem à sua frente, para ouvi-lo melhor. – Diga-me o que posso fazer.
Dois anos antes, quando ainda era tenente, o capitão Saengtham salvara a vida de Theerapanyakul na Batalha de Salamanca, quando o cavalo do coronel fora alvejado e caíra. Theerapanyakul enfrentava um oponente a cavalo, em uma luta feroz, quando outro homem surgiu às suas costas e estava prestes a golpeá-lo. O tenente matara o segundo adversário, desmontara do próprio cavalo e insistira para que o oficial superior ficasse com ele. Saengtham fora seriamente ferido na luta que se seguira, mas como resultado foi recompensado com a patente de capitão, uma promoção que ele não tinha meios de comprar. Na época, Saengtham insistira em dizer que o coronel Theerapanyakul não lhe devia nada, que era dever de um soldado dar cobertura aos companheiros, principalmente aos oficiais superiores. Ele estava certo, é claro, mas o coronel jamais esquecera a dívida.
– Meu irmão omega– disse o capitão, os olhos fechando-se novamente. – Dê a notícia a ele.
– Farei isso pessoalmente – assegurou o coronel. – E direi a seu irmão que seus últimos pensamentos foram para ele.
– Não deixe que ele fique de luto. – pediu o homem, respirando com grande dificuldade. – Meu irmão já passou muito tempo assim. Diga que ele não deve se vestir de preto. Que esse foi meu último desejo.
– Direi a ele.
– Prometa... – A voz falhou. Mas a morte ainda não o levara. De repente, o capitão abriu os olhos, e conseguiu reunir forças para levantar o braço e tocar a mão do coronel com os dedos fracos já carregados do frio da morte. Ele falou com uma urgência que apenas o fim da vida provocava. – Prometa que irá protegê-lo – pediu Saengtham. Seus dedos apertavam febrilmente a mão do coronel – Prometa! Custe o que custar!
– Prometo. – O coronel aproximou ainda mais a cabeça, na esperança de que seus olhos e sua voz conseguissem penetrar a bruma da morte que engolfava o homem agitado diante dele. – Eu lhe faço o meu mais solene juramento.
O último suspiro escapou dos lábios do capitão no momento em que essas palavras foram ditas. O coronel estendeu a mão para fechar os olhos de Saengtham e permaneceu apoiado sobre um dos joelhos por mais um ou dois minutos, como se fizesse uma oração, embora na realidade estivesse considerando a promessa que acabara de fazer. Ele prometera levar a notícia da morte do irmão ao Sr. Saengtham em pessoa, embora não soubesse quem ele era nem onde morava. Prometeu ainda informar ao omega que o último desejo de Saengtham foi que el não ficasse de luto por ele. E ainda fizera seu juramento mais sagrado de que iria protegê-le. Do que – ou de quem – ele não tinha a menor ideia. Custe o que custar!
O eco dessas últimas palavras ditas pelo homem à beira da morte ressoava nos ouvidos do coronel. O que poderiam significar? O que exatamente ele jurara fazer? Custe o que custar!
Continua...
AXÉ!
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AGORA CASADOS - VEGASPETE
FanfictionPete é um ômega resiliente, com um pai recém falecido, e um irmão lutando na guerra, mas um dia ele descobre que tudo irá mudar. Pete perderá as poucas coisas que têm, seus filhos adotivos, os amigos desprezados da sociedade, seu cachorro Minoi, e s...