II

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Acordei cedo.  Meu pai ia partir no primeiro comboio e eu queria desejar-lhe boa viagem.

- Adeus minha filha.  Segue os conselhos da tua prima e sê uma rapariga honrada e honesta para com os outros.
Assim que começares a ganhar um  dinheirinho, não o estragues.  Compra as coisinhas que eu e a tua mãe nunca te pudemos dar.  Faz o teu enxoval para quando um dia casares não ires de mãos vazias.

- Ela tem é que mandar o dinheiro para os pais.

- Não prima. Eu e a Ana lá nos havemos de governar.  Ela que faça um mealheiro.

- Não concordo primo.  Ela deve ajudá-los sim.

- Bem.  Vou indo que se faz tarde.

- Adeus pai.  Dê um beijo à minha mãe e diga-lhe que logo que puder eu escrevo.  Se eu puder, um dia telefono para o telefone da ti Júlia da mercearia.

- Adeus filha.  Boa sorte aqui em Lisboa.
Adeus prima e obrigado por tudo.

- Volte quando quiser e da próxima vez traga a Ana.

- Bem sabes que não podemos vir os dois.  Temos os animais e ninguém para os tratar.

José partiu e logo Rute se transformou.

- Anda logo.  Despacha-te que eu não tenho o dia todo para te aturar.  Vamos a casa dos Belizário e espero que eles te aceitem para trabalhar.  Não estou para ter aqui mais uma boca à mesa e de graça.  Não sei onde estava com a cabeça para dizer ao teu pai que podias vir.

- Eu vou arranjar trabalho depressa.  Se não for nessa casa há-de ser noutra.  O trabalho não me assusta.

Saíram as duas.  Andaram a pé uma boa meia hora e chegaram em frente a uma mansão.   Juliette nunca tinha visto casa tão grande.

Foram recebidas pela cozinheira Maria que de seguida foi chamar dona Filomena.

- Que idade tens minha jovem?

- Chamo-me Juliette.   Tenho 15 anos.

- Ainda devias estar a estudar.

- Lá na aldeia não há colégio e os meus pais não podem pagar para eu estudar fora.

- E tu gostavas?

- Se pudesse, sim.  Gostava de ser enfermeira.

- Pois é.  Às vezes perdem-se bons profissionais por falta de oportunidade.  E o que sabes fazer?

- Em casa tudo.  Limpar, cozinhar e costurar.

- Costurar também?

- Sim.  Aprendi com minha mãe.

- Então vamos ficar contigo.  Começas amanhã que vamos ter muito trabalho.  Os meus filhos regressam da Suíça e estamos a preparar uma grande festa.

Por enquanto fazes o que for necessário.   A Maria e a Eugénia vão orientar-te.  Vais ter um dia de folga por semana e 900 escudos de salário. 
Maria prepara o quartinho ao lado do teu.  Se quiseres já podes dormir cá hoje.

- Obrigada senhora.

- Maria serve um café e bolo à Juliette e à prima.  Vou retirar-me e espero por ti amanhã sem falta.

- Não faltarei, senhora.  Muito obrigada.

Ela se foi e Juliette que estava um pouco tensa respirou mais aliviada.

- Senhora Maria!  Se puder, eu vou buscar as minhas coisas e volto para ficar já hoje.

- Como quiseres.  Depois mostro-te o quarto.

- Obrigada pelo café e bolo.  Volto daqui a pouco.

As duas saíram e apesar de tudo, Juliette não estava triste.

- Juliette não precisas ir hoje.

- Mas eu quero ir.  Assim não lhe dou trabalho e amanhã já acordo e começo a trabalhar.

- O salário até é bem bom, não  achas?

- Não sei.  Nunca trabalhei nem tão pouco recebi algum salário.

- Olha, no dia de folga se quiseres vir passá-lo connosco, és bem vinda.

- Depois vejo isso.

Chegaram a casa e Juliette buscou a pequena mala.  Ela tinha meia dúzia de peças de roupa e alguns artigos de higiene assim como dois pares de sapatos.  Despediu-se de Rute e fez o caminho de volta à casa dos Belizário.

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