Acordei cedo. Meu pai ia partir no primeiro comboio e eu queria desejar-lhe boa viagem.
- Adeus minha filha. Segue os conselhos da tua prima e sê uma rapariga honrada e honesta para com os outros.
Assim que começares a ganhar um dinheirinho, não o estragues. Compra as coisinhas que eu e a tua mãe nunca te pudemos dar. Faz o teu enxoval para quando um dia casares não ires de mãos vazias.- Ela tem é que mandar o dinheiro para os pais.
- Não prima. Eu e a Ana lá nos havemos de governar. Ela que faça um mealheiro.
- Não concordo primo. Ela deve ajudá-los sim.
- Bem. Vou indo que se faz tarde.
- Adeus pai. Dê um beijo à minha mãe e diga-lhe que logo que puder eu escrevo. Se eu puder, um dia telefono para o telefone da ti Júlia da mercearia.
- Adeus filha. Boa sorte aqui em Lisboa.
Adeus prima e obrigado por tudo.- Volte quando quiser e da próxima vez traga a Ana.
- Bem sabes que não podemos vir os dois. Temos os animais e ninguém para os tratar.
José partiu e logo Rute se transformou.
- Anda logo. Despacha-te que eu não tenho o dia todo para te aturar. Vamos a casa dos Belizário e espero que eles te aceitem para trabalhar. Não estou para ter aqui mais uma boca à mesa e de graça. Não sei onde estava com a cabeça para dizer ao teu pai que podias vir.
- Eu vou arranjar trabalho depressa. Se não for nessa casa há-de ser noutra. O trabalho não me assusta.
Saíram as duas. Andaram a pé uma boa meia hora e chegaram em frente a uma mansão. Juliette nunca tinha visto casa tão grande.
Foram recebidas pela cozinheira Maria que de seguida foi chamar dona Filomena.
- Que idade tens minha jovem?
- Chamo-me Juliette. Tenho 15 anos.
- Ainda devias estar a estudar.
- Lá na aldeia não há colégio e os meus pais não podem pagar para eu estudar fora.
- E tu gostavas?
- Se pudesse, sim. Gostava de ser enfermeira.
- Pois é. Às vezes perdem-se bons profissionais por falta de oportunidade. E o que sabes fazer?
- Em casa tudo. Limpar, cozinhar e costurar.
- Costurar também?
- Sim. Aprendi com minha mãe.
- Então vamos ficar contigo. Começas amanhã que vamos ter muito trabalho. Os meus filhos regressam da Suíça e estamos a preparar uma grande festa.
Por enquanto fazes o que for necessário. A Maria e a Eugénia vão orientar-te. Vais ter um dia de folga por semana e 900 escudos de salário.
Maria prepara o quartinho ao lado do teu. Se quiseres já podes dormir cá hoje.- Obrigada senhora.
- Maria serve um café e bolo à Juliette e à prima. Vou retirar-me e espero por ti amanhã sem falta.
- Não faltarei, senhora. Muito obrigada.
Ela se foi e Juliette que estava um pouco tensa respirou mais aliviada.
- Senhora Maria! Se puder, eu vou buscar as minhas coisas e volto para ficar já hoje.
- Como quiseres. Depois mostro-te o quarto.
- Obrigada pelo café e bolo. Volto daqui a pouco.
As duas saíram e apesar de tudo, Juliette não estava triste.
- Juliette não precisas ir hoje.
- Mas eu quero ir. Assim não lhe dou trabalho e amanhã já acordo e começo a trabalhar.
- O salário até é bem bom, não achas?
- Não sei. Nunca trabalhei nem tão pouco recebi algum salário.
- Olha, no dia de folga se quiseres vir passá-lo connosco, és bem vinda.
- Depois vejo isso.
Chegaram a casa e Juliette buscou a pequena mala. Ela tinha meia dúzia de peças de roupa e alguns artigos de higiene assim como dois pares de sapatos. Despediu-se de Rute e fez o caminho de volta à casa dos Belizário.