XVI

57 14 19
                                    

Juliette mal dormiu tal era a euforia de começar num novo emprego.

A senhora Alda, viúva com um filho a viver em França tinha o comércio há vários anos. Abriu o negócio com o marido e só após a morte deste se viu necessitada para arranjar um empregado.

Já por lá tinham passado vários e Juliette era apenas mais uma.  Depois de explicar qual era o serviço dela foi para trás do balcão deixando-a a repor as prateleiras.

Os clientes vinham, questionavam sobre quem era e Alda dizia.  Por vários dias, Juliette foi tema de conversa.  Quando sabiam que ela estava sózinha, a conversa era outra.

- Deve ter sido expulsa pelos pais.
- Deve ser uma depravada e eles mandaram-a embora.
- Deve andar na vida
- Deve... deve...deve.... era só o que se ouvia.

Passou um mês.  Juliette trabalhava das 9 até às 19 horas todos os dias excepto sábado que era até às 13 e domingo era dia de descanso.

Alda pagou-lhe um pouco menos do que ganhava em Lisboa,  mas ela ficou satisfeita.

De repente veio outro contratempo.  Juliette começou a passar mal e descobriu que estava grávida.   De lágrimas nos olhos  não teve outro jeito senão contar a sua história sem omitir nada.

- Que bando de cafagestes, mas Juliette,  neste meio mais pequeno, uma gravidez sem casamento é muito mal vista.   Se souberem é capaz de eu perder boa parte da clientela.

- Senhora Alda, deixe-me ficar pelo menos enquanto a barriga não crescer.  Entretanto eu procuro outra coisa.

- Está bem.  E das 13 às 17 não precisas vir.  Fica a descansar porque são muitas horas.

- Mas depois ganho menos e eu preciso do dinheiro.

- Não te preocupes que eu vou pagar-te o mesmo.  Na início da gravidez deves ter cuidado.

- Obrigada senhora Alda.

Juliette marcou consulta para verificar como estava e para ter  acompanhamento na gravidez.

No dia e hora marcada, autorizada pela patroa foi ao hospital para ser consultada.

Calhou-lhe um médico obstetra na casa dos quarenta anos e logo encetaram uma amena conversa.

- Primeira gravidez?  Porque o pai não veio?

- Porque não mora em Portugal.   Está a estudar na Suíça.

- Sexo casual?

- Que é isso, doutor?

- Sexo sem compromisso.  Sexo depois de uma noite de diversão.

- Não doutor.   Nós somos namorados, ele vai voltar.

- E entretanto a menina enfrenta toda uma sociedade maxista, castradora e retrógrada sózinha.

  Não sei o que significa isto, mas soou bonito.

O médico sorriu enquanto a observava.

- Está tudo bem com  o bébé e com a mãe.   Come bem e nada de pegar em pesos.  Onde trabalhas?

- Por agora numa mercearia, mas quando começar a aparecer a barriga tenho que ir embora.

- Porquê?  Gravidez não é doença
.
- A minha patroa diz que as pessoas de idade quando souberem vão deixar de ir lá. Ela vai perder clientes.

- Beatas falsas e hipócritas.  Sempre na Igreja a bater no peito e depois é isto.  Queres trabalhar para mim?

- Como?  Em quê?  Eu sei fazer pouco.

- Nós temos dois recém nascidos gémeos.  Têm dois meses e a minha esposa precisa de ajuda lá em casa e com os bébés.  Talvez possam ajudar-se uma à outra.

- No meu estado?

- O que é que tem?  É a fase mais linda da mulher.  Se tudo correr bem não há-de ser o trabalho a atrapalhar.

Juliette prometeu dar-lhe uma resposta no dia seguinte.  Saiu dali com toda a informação do que tinha que fazer e antes de ir trabalhar passou em casa e comeu pois estava com fome.

Teus olhos negrosOnde histórias criam vida. Descubra agora