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Eugénia

Eu tinha 21 anos e muitos sonhos. Tal como Juliette vim duma aldeia do interior para trabalhar no escritório de uma grande empresa.

Tal como ela eu estava hospedada em casa de um familiar perto do local de trabalho.

Um dia cheguei para trabalhar e fui informada que o chefe queria falar comigo.

Fui até à sala dele e assim que entrei ele trancou a porta à chave.  Senti-me desconfortável e ele segurou na minha mão e levou-me para o sofá.

Ali começou a apalpar-me e quando tentei gritar tapou-me a boca com a mão.

- Se gritares eu digo à tua madrinha que foste apanhada com vários colegas em situações menos dignas.  Vai ser rapidinho e nem vais sentir nada.

- Eu era muito ingénua e tinha medo dos meus pais.  A princípio resisti mas depressa vi que não podia fazer nada.
Fui violada e aquilo doeu muito.

Não tive coragem para me despedir pois ele ameaçou acabar com a minha reputação.   Depois desse dia veio outro e muitos mais até descobrir que estava grávida.

Confrontei-o e ele riu na minha cara. 

- E quem garante que é meu?

- Eu garanto.  A minha palavra é sagrada.

No dia seguinte pegou em mim e pediu ao motorista que fosse até à  minha aldeia.  Demorámos três horas e os meus pais quando nos viram não entenderam.

- Aqui tem esta galdéria.  A  minha empresa não é nenhum cabaré onde ela anda com todos, engravida e não sabe quem é o pai.

Dito isto deu meia volta, entrou no carro e regressou deixando-me sem palavras.

O meu pai mandou-me entrar pois já se juntavam algumas fofoqueiras.  Não tive tempo nem oportunidade de explicar o que aconteceu e ainda levei uma surra de cinto.

A honra era muito importante para a família e eu havia desonrado os meus pais.   Nessa noite depois de tudo estar em sossego os dois tomaram veneno para ratos e faleceram.

Acordei de manhã com este cenário.  Gritei e chorei enquanto algumas vizinhas me vinham confortar.

Tratei do funeral e logo voltei a Lisboa.   A minha madrinha acolheu-me mas era só porque estava grávida.
Trabalhei em várias coisas, umas mais pesadas outras nem tanto.  Sempre ganhava para a alimentação.

A minha filha nasceu poucos meses depois tomei a decisão de entregá-la ao pai.  Preparei o cesto dela, escrevi uma carta e fui deixá-la no escritório do pai.

Ela é fruto de violação.   Não tenho como criá-la.  Pelo menos contigo terá que comer.  Dei-lhe o nome de Isabel, mas não está registada.
Eugénia

Saí de casa da minha madrinha e deambulei pelas ruas durante muito tempo.  Dormi aqui e ali e num certo dia cruzei-me de novo com ele.

Levou-me para um hotel onde tomei banho e troquei de roupa com uma que ele mandou comprar.  Não fez nada comigo e ofereceu-me trabalho lá em casa perto da minha menina.

Aceitei na hora e aqui estou até hoje. Ele nunca mais tentou nada comigo.  Nunca disse nada a ninguém e ninguém sabe que Isabel é minha filha. 

Teus olhos negrosOnde histórias criam vida. Descubra agora