Quando a Morte Desperta (Hosie)

Capítulo 04 - A desconhecida

A ruiva respirou fundo ao sentir as primeiras gotas de chuva caindo, a atmosfera parecia mais carregada com o cheiro da terra molhada. Poderia dizer que a tempestade estava tentando lavar a dor e o desespero do mundo que a cercava. 

-Ok.. vamos nessa - Decidida, resolveu voltar para dentro e deixar as coisas fluírem por enquanto, tinha muitas coisas para pensar e naquele momento precisava descansar.

Ao adentrar na sala mal iluminada, os olhos da militar se ajustaram lentamente à penumbra. O cheiro de cera derretida e um leve odor de mofo pairavam no ar, criando uma atmosfera opressiva. As velas, dispostas de forma irregular, lançavam sombras dançantes nas paredes, revelando um ambiente que parecia mais um santuário do que um refúgio. E então, viu a garota deitada sobre a cama de cirurgia improvisada.

Com um profundo suspiro, ela se aproximou, seu instinto em alerta, mas seu coração pulsando com uma nova determinação.

Josie parecia tão calma, mesmo com a palidez que contrastava com seus cabelos castanhos, que caíam em ondas suaves sobre o travesseiro. Seus lábios carnudos estavam ligeiramente entreabertos, como se estivesse prestes a falar contra a máscara de ar, e o rosto sereno dela parecia tão pacífico, longe do caos que a cercava. Hope não pôde deixar de pensar que, àquela garota parecia ter quase a mesma idade que ela.

Uma mistura de compaixão e proteção a envolveu, como uma necessidade de mantê-la a salvo de qualquer mal que pudesse surgir. Se sentia brega por pensar dessa forma, mas depois de tudo que viveu e vendo uma vida ser colocada em jogo daquela forma, não conseguia não se sentir protetiva. Mas claro que ela não seria tão hipócrita, se lembrava das noites em que sonhava com um mundo melhor, um lugar onde as pessoas não precisavam lutar apenas para sobreviver, mas sim para viver. Agora, aquela jovem, deitada ali, era o símbolo de todas as esperanças que ela ousava ainda cultivar.

O momento foi interrompido quando Lizzie apareceu na porta, agora vestindo uma calça jeans gasta e uma jaqueta resistente com uma blusa branca por baixo. O olhar da loira era firme, mas sua expressão carregava um leve traço de empolgação.

-Pelo que vi, tem um chuveiro funcionando ainda, o que é um milagre – Sorriu, mas com um leve traço de cansaço - Se você quiser ir... eu fico de olho em tudo, e preparo algo para comer.

Hope assentiu, um misto de gratidão e ansiedade invadindo seu peito. A ideia de tomar um banho era mais do que uma questão de higiene; era uma forma de se reconectar com uma sensação de normalidade em meio ao caos. Ela deu uma última olhada para Josie, e se virou seguindo para o quarto e ao entrar no cômodo que havia compartilhado com os soldados, ficou aliviada ao ver que o espaço ainda estava do jeito que deixou antes de sair. O ar estava impregnado com o cheiro do passado - um misto de suor, poeira e o leve aroma dos produtos de limpeza que usavam na epoca. Os móveis estavam empoeirados, mas a presença dos objetos familiares trazia um pouco de conforto.

Suspiros pesados escaparam de seus lábios enquanto pegava uma muda de roupa que tinha guardado ali: uma camiseta de algodão e calça escura, quase semelhantes às de Lizzie, refletindo a necessidade de funcionalidade e praticidade que agora dominava suas vidas. O tecido era familiar, e enquanto separava as roupas, sentiu como se estivesse recuperando uma parte de si mesma que se perdera na batalha constante pela sobrevivência.

Determinada, ela se dirigiu para o chuveiro do local, que milagrosamente ainda funcionava, talvez pela caixa d'água antiga ou alguma outra improvisação feita por seus companheiros de guerra que passaram por ali antes. E ao ligar a água, a sensação do jato morno contra sua pele a fez relaxar um pouco, aliviando a tensão que se acumulava em seus músculos. E enquanto a água escorria, Hope fechou os olhos, permitindo que a fragrância do shampoo que restou naquele local, caísse contra seus cabelos longos.