Capítulo 29: Eco

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Anne saiu do pub como se estivesse sufocando.

O ar quente e umido da noite parecia pesado contra sua pele, incapaz de aliviar o calor incômodo que ardia em seu peito. Ela andava sem rumo por alguns metros, as pernas trêmulas e a mente a mil, enquanto tentava processar o que acabara de acontecer. Como pôde ser tão boba? Como não percebeu? Carol estava em um relacionamento, e mesmo assim se aproximou, flertou, a beijou (ou ao menos retribuiu o beijo que ela havia iniciado). Por quê? Para que? A pergunta ecoava em sua cabeça. A mistura de raiva, vergonha e uma estranha sensação de perda deixava Anne tonta. Ela não sabia se estava mais furiosa com Carol ou consigo mesma.

Parou abruptamente na calçada, o brilho dos letreiros do pub ao fundo contrastando com a escuridão da rua à frente. Puxou o celular do bolso com mãos trêmulas, decidida a ir para casa o quanto antes. Tentou pedir um Uber, mas as tentativas foram frustradas—nenhum carro disponível. Sentia-se presa. Um suspiro impaciente escapou por entre seus lábios. Só queria chegar em casa, mas como?

Fernanda estava por perto... talvez pudesse ajudar, talvez ela ainda estivesse naquela região. Anne hesitou por um segundo. Não queria explicar nada, e, embora estivesse furiosa com Carol, não se sentia à vontade para expor a situação para outra pessoa. Ela não gostava de se abrir facilmente, especialmente quando se sentia vulnerável. Não agora, não nesse momento.

Ela discou o número de Fernanda, cada toque no visor parecendo um lembrete doloroso de que aquela noite, que tinha começado tão cheia de promessas, havia se transformado em uma confusão. O telefone chamou apenas uma vez antes de Fernanda atender, a voz carregada de uma simpatia exagerada.

— Anne? Tudo bem?

Anne fechou os olhos por um segundo antes de responder.

— Ei, Fernanda. Desculpa te incomodar, mas... eu não estou me sentindo muito bem. Dor de cabeça forte. Será que você ainda tá aqui na região e se estiver pode me dar uma carona para casa?

Ela mordeu o lábio, tentando manter a voz firme, disfarçando a frustração e o desconforto que cresciam dentro dela. "Não quero incomodar a Carol, até porque ela já bebeu bastante para poder me levar", foi o que ela disse para completar a desculpa dada para a amiga. Uma desculpa conveniente, mas também uma forma de proteger a si mesma de mais humilhação.

Fernanda, por sua vez, quase sorriu. Seu tom foi suave e compreensivo.

— Claro, Anne! Não se preocupe. Já chego aí.

Por trás da simpatia, Fernanda tinha suas próprias intenções. Ela sabia que algo havia acontecido—havia visto Anne e Carol no pub, e ela mesma havia se certificado de que Anne tomasse conhecimento sobre Juliana. Sabia que o plano estava funcionando. Enquanto desligava o telefone, Fernanda se permitiu um breve momento de satisfação. Carolana estava prestes a perder essa batalha. Ela só precisava de tempo, de proximidade. Anne confiava nela, e era tudo o que importava. Ela se sentia com sorte, afinal, o universo parecia conspirar a seu favor ou não teria a colocado justamente no mesmo pub que Carol e Anne em pleno sábado à noite.

Enquanto isso, Anne guardou o telefone, suspirando ao encarar a rua vazia. "Eu sou tão idiota..." Seu estômago revirava em uma mistura de raiva e mágoa. "Por que Carol não havia contado sobre Juliana? Por que brincar comigo dessa forma?" Apesar de todo o orgulho ferido, algo em Anne não permitia que ela contasse toda a verdade a Fernanda. Mesmo ferida, ela não queria trair Carol ao expor tudo. Havia algo mais profundo ali, algo que, por mais que tentasse, Anne ainda não estava pronta para abrir mão e ela nem sequer entendia o por que.

Minutos depois, os faróis do carro de Fernanda iluminaram a rua. Anne entrou rapidamente, o silêncio entre elas pesado, apesar da conversa leve que Fernanda tentava manter. Anne murmurava respostas vagas, sua mente voltada apenas para a decepção com Carol e a frustração consigo mesma. Quando chegaram ao apartamento, Fernanda insistiu em acompanhá-la até lá dentro, fingindo ser uma boa amiga preocupada.

Sorte A Nossa | BuijrolOnde histórias criam vida. Descubra agora