"Ficas com a Kat, então?" Eu pergunto, mudando a carteira castanha para uma preta, que combina melhor com a minha roupa.
"Claro, não te preocupes." Zayn diz passando a mão pela minha cintura, enquanto anda até o outro lado do quarto, pegando na sua camisola de lã e vestindo-a. Desde ontem à noite que se tornou muito mais meigo e cauteloso com qualquer coisa que diga, faça, desde a nossa conversa estranha e profunda. Não sei se goste de tanto carinho ou protecção, porque sinto como se ele me estivesse a esconder algo. Mas quem sou eu para falar, quando na realidade sou eu quem o devo estar a magoar?
"Boa, então eu volto mais logo... Não é preciso fazeres nada para o jantar ou assim, eu passo num restaurante e trago algo ou assim..." Falo olhando uma última vez para o espelho, a confirmar se tudo está bem, e tento não o encarar. Isto está a tornar-se cada vez mais estranho, porque, ao olhar para ele, o sentimento de carinho consegue quase sobrepor-se ao de culpa que sinto por estar com ele ainda que não sinta que ele seja o amor eterno da minha vida, mas acho que, se tentar, as coisas podem ir ao lugar.
"Não te esqueces de nada?" Ele diz e eu paraliso à porta do quarto. Coloco um sorriso nos lábios e viro-me, dando-lhe um rápido beijo nos lábios e indo ter com a Kat para me despedir.
"Porta-te bem e não chateies muito o pai, sim?" Ela assente vezes sem conta, mais alegre do que o normal por saber que vou fazer as compras de Natal.
"Vais comprar-me muitas prendas, mamã?" Ela diz puxando as minhas calças, fazendo-me olhar para ela.
"Claro que sim, e tenho a certeza que vais adorar!" Eu digo e pego-a ao colo, rodopiando, enquanto oiço a gargalhada contagiosa dela.
"Boa! Não te esqueças do que eu te pedi!" Eu assinto e volto a pousá-la no chão, olhando mais uma vez para o Zayn e sorrindo.
"Eu vou andando, então. Fiquem bem." Eles sorriem e acenam. Saio então e respiro fundo, tentando deixar tudo o que me preocupa dentro de casa e concentrar-me apenas na época natalícia e em todos os enfeites e luzes espalhados pelas ruas, árvores, casas, enfim. Sempre achei fantástico o Natal e a capacidade que tem para curar feridas abertas, nem que seja por alguns dias, fazer-nos esquecer do mundo real e manter-nos felizes num outro mundo, o mundo decorado, de paz, de prendas e convívio, de, pelo menos, a sensação de conforto.
Pego no telemóvel e, à medida que vou avançando pelas ruas, marco o número da Bea e espero que ela me atenda. Ela fá-lo só ao quinto toque, quando eu já me preparo para desligar.
"Estava a ver que não!" Eu falo alto o suficiente para ela perceber a minha irritação mas tudo o que oiço é um suspiro abafado e descontrolado do outro lado.
"Scar, hoje não..." Ela fala, a voz sumida e quase num sussurro.
"O que é que se passa, Bea?" Eu falo, querendo que ela diga tudo menos o que eu penso que ela vai dizer.
"Hoje não." Ela volta a pedir, e sinto a ira subir-me à cabeça.
"Tu estás de ressaca, Beatrice?" Eu quase grito, porque, conhecendo-a como conheço, a Bea bêbada não é o tipo de pessoa que alguém queira conhecer.
"Está calada, Scar. Fala baixo." Ela tenta elevar o tom de voz mas acaba por falar mais baixo.
"Tu sabes como és quando ficas bêbada. Porque raio foste ficar bêbada, ainda por cima sem ninguém para te levar a casa? Como é que foste para casa mesmo?" Um longo silêncio dá-me a resposta que menos queria ouvir e eu estalo. "Bea!"
"Desculpa, desculpa! Foi um deslize, ok? Eu... olha, vou ter de desligar. Mais logo ligo-te e falamos melhor. Beijinhos." Sem que eu pudesse responder, ela desliga o telemóvel e eu deito o meu ferozmente para a mala. Estou para lá de zangada. É claro que ela dormiu com outro. Como era possível ela não ter dormido se estava bêbada? De todas as vezes que ficou, só não se atirou ninguém porque, ou estava lá eu para a segurar, ou estava lá o Harry e enrolavam-se os dois. Mas, como o Harry desta vez não estava lá de certeza e eu muito menos, ela não tinha ninguém que a impedisse. É por isso que é tão infantil. Ela devia ter consciência das coisas.