Capítulo 9 - Laços Silenciosos

63 4 0
                                    

LÍVIA BIANCHI
---

Os dias naquela mansão pareciam se arrastar como nunca. O tempo, que antes tinha significado em minha vida, agora era apenas um lembrete constante do vazio ao meu redor. Cada segundo se alongava em um silêncio opressivo, cortado apenas pelo som distante de portas sendo fechadas e passos ecoando nos longos corredores.

Hoje, porém, algo diferente aconteceu. Enquanto eu estava sentada na poltrona do quarto, olhando para o jardim lá fora, Marta apareceu. Ela parecia ser a única alma gentil naquela mansão, sempre cuidadosa, silenciosa e, de alguma forma, reconfortante.

— Posso entrar, senhorita Lívia? — Ela perguntou, com sua voz suave, segurando uma bandeja com chá e biscoitos.

Assenti, oferecendo um sorriso tímido. — Claro, Marta. Obrigada.

Ela entrou e colocou a bandeja sobre a pequena mesa ao lado da janela. Por um momento, ficou em silêncio, como se hesitasse em começar uma conversa. Isso era típico dela. Marta sempre parecia saber o que eu precisava, sem que eu tivesse que pedir.

— Hoje está um dia bonito lá fora. — Comentou, olhando para os jardins com um olhar distante. — A senhorita deveria aproveitar mais a vista. Faz bem para o espírito.

Suspirei, segurando a xícara de chá quente entre as mãos. — Difícil aproveitar qualquer coisa aqui. Me sinto... — Parei por um segundo, escolhendo as palavras. — Prisioneira.

Marta me olhou com aqueles olhos gentis, que já carregavam muitos segredos. — Eu sei que não é fácil. Esta casa... pode ser um lugar muito solitário, às vezes.

Havia algo em sua voz que me fez acreditar que ela sabia muito mais do que deixava transparecer. Decidi perguntar. — Quanto tempo você trabalha para o Filipe?

Ela fez uma pausa antes de responder, como se estivesse revivendo as memórias. — Há mais tempo do que consigo me lembrar. Eu o conheci quando ele ainda era muito jovem. Vi muita coisa acontecer nesta casa. Muita coisa mudar... e outras que nunca mudaram.

Seu olhar ficou distante, e eu soube que havia um peso em suas palavras. Decidi não pressioná-la. No fundo, eu sabia que havia histórias naquela casa que eu talvez nunca quisesse ouvir.

— Marta, você já pensou em ir embora? — Perguntei, minha voz soando mais fraca do que eu esperava.

Ela sorriu de maneira melancólica e balançou a cabeça. — Todos nós temos nossas razões para ficar, senhorita. Minhas razões podem não ser óbvias, mas elas existem.

Antes que eu pudesse perguntar mais alguma coisa, Marta mudou de assunto, como se quisesse aliviar o peso da conversa.

— Eu quase me esqueci de mencionar... A irmã do senhor Beaumont vai chegar amanhã. — Disse, com um tom animado que eu não havia esperado.

Olhei para ela, surpresa. Filipe nunca mencionou uma irmã.

— Irmã? Ele tem uma irmã?

Marta assentiu. — Sim, senhorita. Ela é uma pessoa maravilhosa. Muito diferente do senhor Beaumont. Sempre foi muito querida por todos. Ela morou fora por muitos anos, mas parece que vai passar uma temporada aqui. Acho que a senhorita vai gostar dela.

Aquilo era uma surpresa. Como seria essa mulher, irmã de alguém como Filipe? Eu mal conseguia imaginar alguém da mesma família sendo... gentil.

— E ela sabe sobre... mim? — Perguntei, sentindo uma pontada de ansiedade.

Marta sorriu. — Ela é muito compreensiva. Tenho certeza de que, quando ela conhecer a senhorita, vão se dar bem.

— E o que ela faz? — Minha curiosidade agora era maior.

— Ela é uma advogada bem-sucedida. Sempre foi a favorita da família, especialmente do pai deles. Filipe... sempre foi mais rebelde, desde pequeno. Eles têm suas diferenças, mas se amam à sua maneira.

Aquilo parecia tão surreal. Filipe, rebelde? De alguma forma, não era difícil de acreditar. Eu apenas me perguntei como essa irmã, aparentemente perfeita, lidava com o irmão mafioso.

— Isso é... inesperado. — Murmurei, mais para mim mesma do que para Marta.

Ela sorriu, mas não comentou mais nada sobre o assunto. Ficamos em silêncio por alguns instantes, apenas ouvindo o som da brisa lá fora. Marta parecia confortável em minha companhia, e pela primeira vez em dias, eu não me sentia completamente sozinha.

No entanto, a calma não durou muito. Ouvi passos pesados se aproximando pelo corredor, e o som inconfundível de Filipe abrindo a porta.

— Lívia. — Sua voz grave me chamou, e imediatamente minha atenção foi sugada para ele.

Marta, sempre discreta, fez uma pequena reverência e saiu rapidamente, deixando-nos sozinhos. Filipe se aproximou da janela e me olhou com aqueles olhos sombrios e intensos.

— O que estava conversando com Marta? — Ele perguntou, com um tom que soava mais como uma exigência do que uma curiosidade.

— Ela estava apenas... me contando sobre a sua irmã. — Respondi, tentando manter minha voz firme.

Filipe soltou um riso seco. — Ah, minha irmã. — Ele cruzou os braços, olhando para mim de cima. — Ela é o oposto de mim, Lívia. Sempre foi a boa filha, a que fazia tudo certo. Não tenho certeza se ela vai gostar de você.

— Por que não? — Minha voz saiu mais afiada do que eu pretendia.

Ele deu um passo em minha direção, seu olhar penetrante fixo no meu. — Porque você pertence a mim. E ela... sempre odiou tudo que eu construí.

Aquele olhar me queimava por dentro, uma mistura de poder e desejo. Eu sabia que estava entrando em um jogo perigoso.

— Talvez eu não queira pertencer a você. — Retruquei, sentindo minha própria raiva fervendo. Eu não era um objeto.

Ele se inclinou, aproximando-se perigosamente. — Ah, mas você pertence. E quanto mais cedo aceitar isso, mais fácil será.

O ar ficou pesado entre nós, e por um momento, achei que ele fosse me tocar. Mas ele apenas me olhou, como se estivesse esperando minha rendição.

Eu, no entanto, não lhe daria esse prazer. Não ainda.

---

Acordo Entre Sombras Onde histórias criam vida. Descubra agora