Capítulo 31 - Entre o Desejo e a Razão

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FILIPE BEAUMONT

A noite havia tomado um rumo inesperado. Lívia... ela era um mistério que eu não conseguia evitar. Cada vez que pensava nela, sentia uma urgência desconhecida, como se estivesse lidando com uma faísca prestes a se transformar em incêndio. Quando a vi parada na biblioteca, com os olhos perdidos, vulneráveis e ao mesmo tempo desafiadores, algo em mim se quebrou.

Meus passos ecoavam pelo corredor escuro, cada um mais pesado que o outro. A imagem dela estava gravada em minha mente, e, por mais que tentasse, não conseguia afastar a sensação de que a situação estava escapando do meu controle. Havia algo em sua presença, em cada olhar furtivo que me lançava, que mexia comigo de uma forma que não admitia, nem para mim mesmo.

"Você desperta algo em mim que nem eu consigo entender..." As palavras tinham saído antes que eu pudesse me controlar, mas eram verdadeiras. Em todos os anos de poder e controle, nunca conheci alguém que me desafiasse de forma tão intensa sem dizer uma única palavra. Lívia era uma presença constante, uma tensão disfarçada de fragilidade.

Caminhei de volta ao meu escritório, tentando focar em qualquer coisa que me afastasse daquele impulso descontrolado. Sentado à mesa, tentei voltar ao trabalho, mas a concentração se esvaía cada vez que os olhos focavam em algo indefinido, e lá estava ela em minha mente novamente.

— Droga — murmurei, passando as mãos pelos cabelos.

Então, ouvi um leve ruído no corredor. Em um instante, soube que era ela. A mansão estava vazia, só nós dois esta noite. O som de passos delicados ecoou, e, antes que pudesse decidir o que fazer, me vi caminhando em direção à porta. Quando a abri, lá estava Lívia, quase surpresa com minha presença.

Ela ficou parada, olhando para mim, como se estivesse decidindo se recuava ou se continuava em frente. Seus olhos buscaram os meus, e naquele instante, tudo o que eu queria era... bem, nem eu sabia ao certo.

— Filipe... — sua voz era baixa, quase um sussurro, como se não soubesse o que dizer.

Me aproximei lentamente, sentindo a tensão entre nós crescer a cada passo. Quando estávamos a poucos centímetros de distância, podia sentir seu nervosismo, o olhar dela tentando desviar do meu, mas sem conseguir.

— É tarde — murmurei, tentando soar indiferente, mas a proximidade fazia meu autocontrole desmoronar. — Você devia descansar.

Ela assentiu, mas o olhar nos meus olhos dizia outra coisa. Talvez fosse a exaustão de lutar contra isso, talvez fosse apenas a pressão de estar juntos nessa casa vazia, mas nada parecia impedir o que estávamos prestes a fazer.

— Eu... — Lívia hesitou, respirando fundo. — Eu não consigo dormir.

Sorri de leve, um sorriso que escapou sem querer, e senti a frustração e o desejo me consumirem.

— Parece que somos dois, então.

Olhei para ela com intensidade, permitindo que visse um pouco do que eu escondia. Estendi a mão, em um gesto quase involuntário, e toquei levemente seu rosto, traçando uma linha invisível até seu queixo. Ela prendeu a respiração, e qualquer movimento dela era uma tortura para mim.

— Isso é uma loucura... — murmurei, mais para mim do que para ela.

Mas antes que eu pudesse recuar, antes que pudesse pensar nas consequências, minhas mãos desceram até suas costas, puxando-a levemente para mais perto. Ela não resistiu; pelo contrário, parecia tão presa quanto eu, como se estivéssemos ambos à mercê de algo maior do que qualquer um de nós.

— Filipe — ela sussurrou, sua voz tremendo, e naquele momento, percebi que estava perdido.

Eu a puxei para mim, sentindo o calor de seu corpo, e por um instante esqueci do mundo, do poder, do controle. Era apenas ela e eu, suspensos em uma tensão que não podia mais ser ignorada.

As palavras fugiam, mas naquele instante não eram necessárias.

Lívia estava ali, nos meus braços, tão perto que conseguia sentir a pulsação acelerada dela, refletindo a minha. Por um segundo, o mundo sumiu. Não havia mansão, passado, vingança, ou qualquer razão lógica. Só restava o desejo. E ela.

Mas algo em mim hesitava. Sentia meu próprio controle vacilar, como se cada segundo que ela permanecesse ali aumentasse o risco de ceder a algo que não poderia mais desfazer. Eu queria dizer algo, talvez até desfazer aquela proximidade, mas o toque dela – o calor, o perfume suave – fazia tudo parecer impossível.

— Filipe... — ela sussurrou novamente, e desta vez havia uma intensidade que eu nunca tinha ouvido antes, uma vulnerabilidade que me atingia profundamente.

Eu deveria me afastar, deveria encerrar aquilo antes que fosse longe demais, antes que eu colocasse em risco todo o autocontrole que construí por anos. Mas, por algum motivo, estava preso àquele momento, capturado pelo olhar dela, pela forma como sua respiração se entrelaçava com a minha.

— Lívia... — murmurei, minha voz falhando um pouco. Queria soar seguro, mas estava tão vulnerável quanto ela.

Ela pareceu absorver meu dilema, e os olhos dela me desarmaram completamente.

— Eu sei que isso é... confuso — ela começou, a voz quase inaudível. — Mas não consigo mais evitar. Não sei explicar, mas... eu só...

E, antes que eu pudesse responder, ela se aproximou um pouco mais, seus lábios perigosamente próximos dos meus. Um movimento mínimo, e estaríamos em um caminho sem volta. Eu podia sentir o tremor nas mãos dela, o mesmo que sentia em mim.

— Se continuarmos... — consegui dizer, minha voz rouca, cada palavra carregada de um peso que eu mal conseguia controlar.

Mas antes que eu pudesse finalizar o pensamento, antes que pudesse racionalizar qualquer coisa, ela deslizou uma das mãos em minha nuca, acariciando de leve, e tudo o que pensei em fazer se dissolveu. Era apenas ela, tão perto e, ao mesmo tempo, tão impossível de ter.

— Eu sei que não deveria... — sussurrei, quase para mim mesmo.

E foi nesse exato momento, quando nossas respirações se fundiam e tudo ao nosso redor parecia suspenso, que uma onda de realidade finalmente me atingiu. Reuni o resto de controle que ainda tinha, me afastando levemente.

— Lívia... — murmurei, a voz embargada. — Você deveria descansar.

Ela hesitou, o olhar dela cheio de perguntas e talvez até mágoa, mas assentiu lentamente, sem uma palavra. Me virei antes que pudesse mudar de ideia e vi quando ela se afastou, ainda sentindo o peso daquele momento no ar.

Enquanto ela desaparecia pelo corredor, percebi o quanto minha vida havia mudado desde que Lívia entrou nela.

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