Capítulo 7 - Resistência Silenciosa

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LÍVIA BIANCHI
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O tempo parecia uma ilusão na mansão de Filipe. Dias e noites se mesclavam, e o som do vento entre as árvores do jardim era a única indicação de que o mundo continuava a girar lá fora. Aqui dentro, tudo estava estagnado. A rotina se repetia, mecânica, sufocante. E a presença constante de Marta e dos seguranças que vigiavam cada canto da casa era um lembrete doloroso de que eu não tinha para onde correr.

Eu passava horas no meu quarto, tentando pensar em uma forma de sair dali. Cada janela que olhava, cada porta que testava, tudo me dizia que a fuga não era uma opção. Mas eu não podia desistir. Não ainda. Não enquanto eu ainda tivesse forças para resistir.

Hoje era um desses dias em que eu mal conseguia me levantar da cama. O peso da situação, o fardo de saber que eu estava aqui, presa, por uma dívida que nem era minha, me esmagava. Era como se uma parte de mim estivesse adormecendo lentamente, se entregando ao cansaço e à tristeza. Eu odiava essa sensação, odiava me sentir tão impotente.

Marta entrou no quarto, como sempre, sem bater. Já havia desistido de esperar por qualquer sinal de privacidade aqui dentro.

— O senhor Beaumont pediu que você descesse. Ele quer vê-la na biblioteca. — A voz dela era sempre a mesma, monótona, sem emoção. Ela era eficiente, mas impessoal, como se estivesse cumprindo um dever e nada mais. Eu me perguntava o que a mantinha ali, servindo a um homem como Filipe.

Assenti em silêncio, mas não me movi imediatamente. Só de pensar em encarar Filipe de novo, meu estômago se revirava. Ele conseguia me provocar sensações tão contraditórias. Em alguns momentos, eu o temia, em outros, sentia uma raiva tão profunda que tudo o que eu queria era gritar. Mas a maior parte do tempo, eu apenas me sentia... confusa.

Levantei-me lentamente e fui até o espelho. Meus olhos estavam cansados, as olheiras acentuadas, e meu cabelo caía desarrumado sobre os ombros. Eu mal me reconhecia mais. Quem eu era agora? Era essa a pergunta que martelava na minha mente todos os dias.

Ao chegar na biblioteca, Filipe estava parado perto da janela, observando algo lá fora. Não se virou imediatamente quando entrei. Era como se ele estivesse em seu próprio mundo, alheio à dor e ao sofrimento que causava.

— Você me chamou? — perguntei, tentando manter minha voz firme. Não queria parecer frágil na frente dele, mas era difícil.

Ele se virou lentamente, e por um momento, seus olhos fixaram-se nos meus com uma intensidade quase desconcertante. Havia algo neles que eu não conseguia decifrar, algo que ia além da frieza habitual. Era como se ele estivesse tentando ler minha alma, desmontar cada parte de mim.

— Você não se alimentou no jantar ontem à noite. Isso não pode continuar. — Sua voz era firme, autoritária, mas havia um tom de preocupação que me pegou de surpresa. Preocupação? Não. Não podia ser isso. Ele não se importava comigo de verdade. Isso era apenas controle.

— Eu não tinha fome. — Cruzei os braços, erguendo o queixo levemente em um gesto defensivo.

— Não estou perguntando se você tinha fome, Lívia. — Filipe deu alguns passos em minha direção, aproximando-se o suficiente para que eu sentisse o cheiro sutil de sua colônia. — Estou dizendo que você precisa cuidar de si mesma. Se não fizer isso, vou ser obrigado a intervir. E eu acho que você não vai gostar da forma como eu faço isso.

Meu corpo inteiro se retesou ao ouvir aquelas palavras. Cada vez que ele falava, era como se estivesse reforçando as correntes invisíveis que me prendiam aqui.

— Intervir como? Vai me obrigar a comer? — As palavras escaparam antes que eu pudesse me controlar, carregadas de uma ironia amarga.

O rosto de Filipe se suavizou por um instante, mas logo aquele mesmo sorriso frio e distante voltou a tomar conta de suas feições.

— Se for necessário, sim. — Ele deu mais um passo à frente, e eu recuei instintivamente. — Mas prefiro que colabore, Lívia. Eu sei que está sofrendo, mas você não pode continuar se punindo assim.

— E você acha que pode me salvar, Filipe? — perguntei, sem esconder o tom sarcástico na voz. — Você me colocou aqui. Você é o motivo pelo qual estou assim. Então, por favor, não finja que se importa.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, observando-me como se estivesse decidindo o que dizer a seguir. Quando finalmente falou, sua voz estava mais baixa, quase como se estivesse confessando algo.

— Eu não sou um monstro, Lívia. Eu nunca quis que fosse assim.

— Mas é assim. E você é o responsável. — Não havia mais medo nas minhas palavras, apenas uma tristeza profunda que eu não conseguia controlar. — Você pode fingir que tem boas intenções, mas no fim das contas, você me comprou como se eu fosse um objeto. E eu nunca vou esquecer isso.

Filipe abaixou a cabeça por um momento, como se minhas palavras o tivessem atingido. Mas quando ergueu o olhar novamente, sua expressão estava dura como pedra.

— Não pense que pode me desafiar assim, Lívia. Eu sei que você está com raiva, mas não vou tolerar desrespeito. — Sua voz agora era fria, o tom ameaçador que eu já conhecia tão bem.

Eu permaneci em silêncio, incapaz de responder. Havia uma parte de mim que queria lutar, gritar, chutar qualquer coisa que estivesse ao meu alcance. Mas outra parte, uma parte mais cansada, sabia que isso não adiantaria. Ele sempre teria a última palavra.

— Marta vai trazer o seu almoço em breve. Certifique-se de comer. — Ele me lançou um último olhar antes de sair da sala, deixando-me sozinha mais uma vez.

Eu queria chorar, mas não o faria. Não enquanto ele ainda estivesse por perto. Não daria a ele esse poder sobre mim. Eu não me renderia.

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