Acordo Entre Sombras

Capítulo 40 - Confissões e Conflitos

LÍVIA BIANCHI
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O relógio da mansão marcava o final da tarde, e um silêncio incomum parecia pesar no ar, quase como se todos ali segurassem a respiração. Eu estava na biblioteca, onde os livros forravam as estantes com suas lombadas gastas e elegantes. Ao meu lado, a janela exibia o céu cinza, carregado com uma chuva iminente. O peso daquela atmosfera parecia refletir a inquietação em meu peito.

Desde o dia anterior, algo havia mudado entre mim e Filipe. Ele estava mais distante, mas seu olhar era intenso, penetrante, como se ele estivesse sempre a um passo de me revelar algo importante, mas que o atormentava. Aquela luta interna me intrigava, mas também fazia meu coração bater mais rápido.

De repente, ouvi seus passos firmes pelo corredor, até ele aparecer na porta, os ombros tensos e o semblante sério. Filipe me fitou por um instante, e era como se tentasse decidir se entrava ou não.

– Posso? – ele perguntou, num tom mais rouco do que o habitual, hesitante.

– Claro – respondi, tentando manter a calma enquanto o observava. Ele parecia dividido, mas ainda assim avançou, até que a presença dele tomou o ambiente, enchendo o espaço ao meu redor.

Ele se aproximou e se sentou em uma poltrona à minha frente, sem dizer nada por alguns instantes, enquanto olhava fixamente para o chão. O silêncio entre nós se prolongou, e eu sabia que algo mais profundo estava por vir.

– Lívia... – Filipe começou, a voz baixa e hesitante. – Eu nunca te contei muito sobre o meu passado, não é?

Balancei a cabeça, incerta sobre onde ele queria chegar. Eu sabia de partes do que ele era agora, mas seu passado continuava sendo um mistério, e essa era a primeira vez que ele se mostrava disposto a abrir essa porta.

– Eu cresci em um ambiente onde... afeto não existia – ele disse, com um pequeno suspiro. – Na minha família, as emoções eram vistas como fraquezas. Eu fui ensinado a ser forte, implacável. – Ele fez uma pausa, os olhos perdidos no passado. – Talvez seja por isso que tudo o que sinto agora... me confunde tanto.

Seu olhar subiu até encontrar o meu, e eu senti um arrepio percorrer minha pele. Nunca o vira tão vulnerável, e era como se uma parte escondida dele finalmente estivesse emergindo.

– Por que está me contando isso agora, Filipe? – perguntei, sentindo minha voz sair quase num sussurro.

Ele respirou fundo, passando uma das mãos pelos cabelos em um gesto nervoso que raramente demonstrava.

– Porque você me faz querer ser alguém diferente. – Ele hesitou, desviando o olhar, como se aquelas palavras fossem mais difíceis de pronunciar. – Eu só não sei como.

Meu coração deu um salto. Aquilo era um desabafo sincero, e eu podia ver a luta interna dele claramente. Era como se Filipe estivesse preso entre o homem que fora moldado para ser e o homem que ele talvez desejasse se tornar.

Eu me aproximei um pouco mais, colocando uma mão sobre a dele, e senti que ele tensionou os dedos por um breve momento antes de relaxar ao meu toque.

– Você não precisa mudar por mim, Filipe. – Eu tentei sorrir, ainda que fosse difícil. – Não quero que sinta que precisa ser outra pessoa para estar ao meu lado.

Ele sorriu de volta, mas era um sorriso triste.

– Talvez você seja a única que me faria querer isso – murmurou ele, e eu senti uma pontada no peito, quase uma mistura de dor e esperança.

Havia uma fragilidade naquela confissão que me desarmava completamente. E, naquele momento, percebi que havia algo mais entre nós, algo que ia além das circunstâncias que nos uniram.