Capítulo 32: Entre Silêncios e Olhares

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LÍVIA BIANCHI

A chuva caía forte lá fora, tamborilando contra as janelas da mansão como se quisesse invadir o silêncio pesado que pairava entre nós. A noite estava mais escura do que o normal, as sombras pareciam se mover pelas paredes, e eu me sentia como uma presa encurralada. Estava tudo tão quieto, tão sufocante.

Desci até a sala, buscando um momento para clarear os pensamentos. O tempo lá fora combinava com meu humor, e não imaginei que Filipe estaria por perto. Sua presença me pegou de surpresa. Ele estava ali, sentado no sofá, com o olhar perdido em um ponto distante. Parecia tão introspectivo, tão diferente do homem controlador e distante que eu conhecia. Mas eu sabia que não podia baixar a guarda. Não com ele.

Ele levantou o rosto ao me ver, e por um instante, nossos olhares se cruzaram.

— Não consegue dormir? — perguntou ele, com uma voz baixa, quase um murmúrio.

Balancei a cabeça, hesitante. — A chuva. Ela é... barulhenta. — Menti, sabendo que o barulho que me tirava o sono não vinha de fora, mas de dentro de mim.

Filipe pareceu entender, mas ficou em silêncio. Por algum motivo, não saí da sala. Havia uma tensão entre nós que era quase palpável, e eu não sabia o que me prendia ali. Talvez fosse a maneira como ele me olhava, como se quisesse enxergar através de cada camada que eu tentava manter erguida.

Ele respirou fundo, desviando o olhar.

— Às vezes penso que tudo isso é... um erro. — Ele murmurou, mais para si do que para mim.

Aquilo me pegou de surpresa. Filipe nunca havia falado nada parecido. Ele era sempre tão seguro, tão frio e calculista. Era como se estivesse mostrando um lado que eu ainda não conhecia, e isso me incomodava. Queria manter as coisas simples, como um jogo de sobrevivência. Ele era o vilão, e eu, a vítima. Mas, naquele momento, tudo parecia confuso.

— Um erro? — perguntei, tentando manter a voz firme. — Como assim?

Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo. — Esse vazio. A maneira como cheguei até aqui. As coisas que fiz... — Ele parou, os olhos sombrios e distantes. — Não era o que eu planejava.

Eu queria perguntar mais, mas uma parte de mim temia as respostas. Tudo nele me confundia. Suas palavras, seus gestos, até mesmo a maneira como olhava para mim. Aproximei-me um pouco, sentindo uma curiosidade perigosa crescer dentro de mim.

Ele olhou para mim, como se estivesse buscando algo, talvez uma aprovação ou entendimento.

— É isso que você pensa de mim? Que tudo é manipulação? — Sua voz estava cheia de uma intensidade que me fez prender a respiração.

Eu queria responder, dizer que sim, que eu o via como alguém sem escrúpulos. Mas, ao mesmo tempo, alguma coisa me travou. Ele estava perto demais. Cada palavra dele era um sussurro que ecoava em mim de uma maneira que eu não conseguia controlar.

— Eu... — minha voz falhou. — Eu não sei o que pensar. Só sei que estou presa aqui, sem saída. — Suspirei, mas me arrependi no instante em que vi o brilho que se acendeu em seus olhos. Eu podia ver o que aquele silêncio revelava, o que ele estava esperando ouvir, e isso me aterrorizava.

Ele se aproximou mais um pouco, e minha mente gritava para eu me afastar, mas meu corpo estava estático.

— Está com medo, Lívia? — Ele sussurrou, sua voz deslizando pelo meu nome como um segredo.

Tentei controlar minha respiração, mas era inútil. Ele estava tão perto que eu conseguia sentir o calor que emanava dele. Cada músculo meu estava em alerta, mas não consegui responder. O silêncio falava mais alto do que qualquer palavra, e, por um momento, me perguntei se ele podia ouvir o ritmo acelerado do meu coração.

Ele tocou meu rosto, devagar, seus dedos traçando uma linha quente e torturante.

— Talvez não seja medo. Talvez seja algo que você não quer admitir. — Sua voz era um murmúrio, suas palavras mergulhando fundo na minha mente.

— Filipe... — Minha voz saiu como um suspiro, um último pedido silencioso para que ele parasse, mas eu sabia que ele já estava mergulhado demais nesse momento. E, mesmo contra minha vontade, eu me sentia puxada para o abismo junto com ele.

A tensão crescia, silenciosa e esmagadora. Ele se afastou apenas o suficiente para me olhar nos olhos, mas não o suficiente para romper a conexão entre nós.

E naquele instante, soube que nada entre nós seria simples. Era uma batalha constante entre o desejo e a resistência, e eu não sabia por quanto tempo ainda conseguiria me manter firme diante daquele homem.

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