Chapter Eight

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A noite finalmente se acalmou depois da tensão e adrenalina da corrida. Uma a uma, as mulheres foram se retirando para seus quartos, exaustas. Apenas Macris e Martyna permaneceram na sala, um silêncio confortável pairando entre elas, interrompido apenas pelo leve ruído do relógio na parede.

Macris, ainda curiosa e intrigada com as alianças que viu se formarem ao longo do evento, decidiu quebrar o silêncio:

— Marty, preciso te perguntar... por que você tá com a Roberta nessa? — Ela ergueu uma sobrancelha, tentando entender como duas pessoas que pareciam se evitar tanto acabaram formando uma parceria tão improvável. — Sempre parece que vocês duas não se suportam.

Martyna suspirou, desviando o olhar para a janela. Ela parecia pensativa, com o brilho intenso de uma verdade que mantinha há muito tempo guardada.

— Às vezes, Macris, a gente escolhe alianças não pelo que queremos, mas pelo que precisamos. — Ela deu um sorriso meio cínico, como se achasse graça da própria situação. — A Roberta é... difícil de engolir, mas ela sabe o que faz. E, por pior que seja admitir isso, eu confio que ela vai até o fim nos planos que monta. Com ela, tenho uma segurança que dificilmente encontraria em outra pessoa.

Macris franziu o cenho, ainda desconfiada.

— E o que você ganha com isso?

Martyna hesitou antes de responder, passando a mão pelo cabelo e finalmente encontrando o olhar de Macris.

— Talvez... eu ganhe exatamente o que preciso. Um pouco de estabilidade, de previsibilidade em meio ao caos. Eu sei que, se precisar dela, a Roberta vai me proteger, mesmo que isso custe algo a ela. Ela é uma das únicas com quem posso contar, ainda que nunca vá admitir isso na frente dela.

Enquanto Martyna falava, Macris a observava com um olhar confuso, franzindo o cenho ao tentar processar a explicação. Ela sentiu que Martyna não havia sido completamente clara e, curiosa, pressionou um pouco mais:

— Marty, isso tudo ainda tá muito vago. Você confia na Roberta… mas por quê? O que você ganha, de verdade, ficando ao lado dela? — perguntou, inclinando-se um pouco mais, tentando arrancar uma explicação direta.

Martyna suspirou, hesitando por um momento. Parecia que estava calculando se valia a pena ou não abrir o jogo, mas, ao ver o olhar insistente de Macris, acabou cedendo.

— Tá bom, Macris, eu vou te contar. — Ela respirou fundo, escolhendo as palavras com cuidado

(Flashback on - POV Lukasik)

Eu nunca soube o que era ter uma infância normal. Meus pais morreram quando eu tinha sete anos. Sete. É engraçado, mas depois de tantos anos, eu nem lembro mais dos rostos deles com clareza. Só me lembro da sensação de desamparo, do vazio que parecia sugar tudo à minha volta.

Quando fui entregue aos Karakurt, disseram que seria minha "família". Disseram que cuidariam de mim, que eu teria um lar. Mas logo percebi que essa promessa não tinha nada a ver com segurança ou amor. Essa "família" não oferecia nada além de controle e crueldade. Aprendi desde cedo que cada gesto de bondade vinha com um preço alto. Eles cobravam minha lealdade e minha gratidão. Eu devia tudo a eles. Era assim que eles me lembravam constantemente. E eu sabia que qualquer deslize seria severamente castigado.

Os primeiros anos foram uma espécie de "educação" rígida. Qualquer erro meu era um convite para a humilhação e o castigo. Aprendi a esconder qualquer emoção, a obedecer sem questionar, a viver de cabeça baixa. Minha única chance de sobrevivência era não chamar atenção. Quanto menos notassem minha existência, mais segura eu estaria. Pelo menos, era o que eu pensava.

Mas a manipulação deles era muito mais profunda do que eu podia entender na época. Eles me faziam sentir um fardo, como se eu fosse um peso que eles carregavam por obrigação. Diziam que eu não tinha ninguém além deles. A cada palavra dura, a cada olhar de desprezo, me empurravam ainda mais fundo nessa sensação de dependência. Me convenciam de que sem eles, eu não sobreviveria. E eu acreditava. Não havia mais ninguém para me mostrar outra realidade.

O abuso psicológico foi só o começo. Depois, vieram os toques, os olhares invasivos, e situações das quais eu nem gosto de falar. Aqueles momentos me fizeram querer desaparecer, apagar minha própria existência. Eu me fechei, virei uma casca vazia. Era mais fácil assim. Quando nada importa, você para de sentir. Era a única saída que eu enxergava.

Até que, numa noite, as coisas mudaram. Eu estava no armazém, executando uma das tarefas que haviam me dado. Tudo parecia como sempre, até que Roberta Ratzke apareceu. Ela era uma presença rara, alguém que todos respeitavam e temiam. Nunca achei que notaria minha existência, mas ela notou. Quando entrou, viu um dos homens me humilhando, como sempre faziam. Ele achava que ninguém se importava, que eu era só mais uma que podia ser tratada como lixo.

Mas Roberta parou, e eu senti o olhar dela sobre mim. Vi um lampejo de surpresa em seus olhos, algo que nunca tinha visto antes. Depois, ela franziu o cenho e sua expressão endureceu. Ela se virou para o homem e, com uma firmeza gelada, perguntou:

— O que está acontecendo aqui?

Ninguém ousou responder. A autoridade de Roberta silenciou o armazém. Ainda tremendo, eu ergui o olhar e vi, pela primeira vez, alguém que não fazia parte do meu pesadelo diário. Alguém que parecia me enxergar.

Naquela noite, Roberta não saiu do armazém sem mim. Ela enfrentou os Karakurt com uma calma que me deixou impressionada. Com poucas palavras, ela deixou claro que eu não ficaria mais ali. Eu fui com ela sem perguntar nada, sem pensar duas vezes. Senti um fio de esperança, algo que eu nem sabia que ainda existia em mim.

Desde então, Roberta limpou minha ficha e me ajudou a recomeçar. Ela me deu a chance de ser outra pessoa. Sei que ela é uma figura controversa, que vive entre limites tênues. Mas minha lealdade a ela vem daquele dia, daquele momento. Ela foi minha libertadora, minha única saída de um mundo escuro que parecia não ter fim. Sem Roberta, eu sei que ainda estaria presa no pesadelo que vivi por tantos anos.

(Flashback off)

Martyna terminou de contar sua história, os olhos levemente marejados, como se uma parte dela tivesse ficado presa nesse passado sombrio, guardada por tempo demais. Era raro vê-la assim; sempre tão imponente, tão segura de si, mas naquele momento, ao compartilhar algo tão íntimo, era quase como se uma barreira invisível se desfizesse.

Macris a observou em silêncio, ainda digerindo tudo que acabara de ouvir. Nunca imaginara que a história de Martyna fosse tão pesada, tão marcada por uma realidade que só se via em pesadelos. As palavras pareciam escapar enquanto tentava processar tudo, até que finalmente encontrou a voz, baixa e cheia de sinceridade:

— Nossa... Eu sinto muito, Marty. Sinto de verdade.

Martyna respirou fundo e desviou o olhar por um instante, como se quisesse esconder a emoção que ainda pairava ali, escondida nas sombras dos seus olhos. Em seguida, esboçou um leve sorriso, um pouco amargo, mas com aquele toque de ironia característico dela.

— Tá tudo bem — disse, dando de ombros como se aquilo pudesse encerrar a conversa. — Já faz muito tempo. A gente aprende a lidar, a seguir em frente… ou pelo menos tenta.

Macris sentiu que havia muito mais por trás daquelas palavras, algo que Martyna ainda não estava disposta a revelar. Mas não insistiu. Apenas permaneceu ali, ao lado dela, num silêncio respeitoso, como se com sua presença quisesse transmitir algum tipo de conforto, algo que talvez Martyna nunca tivesse recebido antes.

— Mas você não precisa ficar presa nisso para sempre, sabe? — Macris falou com cuidado, tentando escolher as palavras certas. — Você é mais forte do que tudo que já aconteceu. Você conseguiu sair, está construindo sua própria história.

Martyna sorriu novamente, desta vez um pouco mais sincera. Seus olhos se encontraram, e naquele instante, houve um entendimento silencioso entre as duas. Ela assentiu, como se reconhecesse a força que Macris via nela, mesmo que nem sempre fosse capaz de enxergar isso sozinha.

— É… é só uma questão de tempo até eu sair daqui de vez — Martyna murmurou, quase para si mesma, mas com uma determinação que parecia ganhar vida ali, naquele momento.

Deadly ObsessionOnde histórias criam vida. Descubra agora