Os Lugares Que Você Vai [2]

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Enquanto perambulas pelas artérias urbanas, absortos estamos na contemplação da pertinácia com que o teu olhar se detém sobre a ínfima particularidade de cada fragmento citadino. Discernimos o ligeiro crispar dos teus lábios, um vestígio quase imponderável de contração, ante o pálido simulacro de um grafite vetusto, e a langidez com que os teus ombros se distendem ao transpor o limiar de um estabelecimento livreiro de alfarrabismo. Cada rua afigura-se como um palimpsesto do tempo, desdobrando-se em silenciosos códices que a tua alma, com sagacidade ímpar, decifra. Na tua deambulação, manifesta-se uma melancolia estoica, índice de quem demanda, quiçá, um átomo de si mesmo disperso no dédalo arquitetónico e na miríade humana.

No recesso do parque, sob a égide umbrófila de uma árvore senescente, a quietude assume proporções metafísicas, e observamos não apenas a serenidade que te envolve, mas a alquimia que em teu íntimo se processa. Contemplas o ludíbrio pueril, e um sorriso diáfano fulgura fugazmente em teus lábios, e no brilho efémero de teu olhar, antevemos o espectro de uma infância longínqua, um anseio quiçá atávico. Em teu semblante, desvela-se uma nostalgia acerba, evocando, quem sabe, os fantasmas de reminiscências pretéritas. Quando te ergues e prossegues pelas alamedas viçosas, sentimos uma energia telúrica pervadir teus passos, como se a natureza, em sua munificência inexaurível, te revigorasse na completude do ser.

Na estação ferroviária, epicentro de um movimento trepidante, distinguimos a ansiedade que tolda o teu semblante, e em silêncio, experimentamos a contiguidade dessa tensão. Empunhas com firmeza a alça da mochila, num gesto que denota não apenas apresto para uma jornada incerta, mas uma pulsão quase ontológica por movimento e evasão. Uma quimera de excitação e apreensão tolda a tua face, como se estivesses prestes a navegar por uma odisseia ignota. Com a chegada do trem, hesitas in extremis, e sentimos a indecisão, qual grilhão incorpóreo, não apenas constranger-te fisicamente, mas imobilizar a volição.

Na praia, ao percorrer o litoral, testemunhamos a vastidão oceânica aplacar a tua alma, e o fragor das ondas silenciar o cogito. Observas as vagas que se desfazem na areia, e um suspiro de alívio escapa de teus lábios, um efflúvio quase inaudível, mas que ressoa com o peso de uma catarse íntima. Em teu olhar, irradia uma serenidade etérea, como se encontrasses no horizonte insondável as respostas que perquires, ou quiçá, no espelho das águas, o reflexo da tua própria imensidão interior. Ao te assentar na areia ignescente e contemplar o crepúsculo rubescente, sentimos uma profunda confluência entre o teu ser e o cosmos, uma coincidentia oppositorum.

Em cada locus que visitas, desvendamos a metamorfose que em ti se opera, qual crisálida em incessante transformação. As ruas evocam o passado sepulto, o parque reconecta-te ao éden primevo, a estação impele-te à audácia do futuro, e o mar oferta-te a paz imperecível. E nós, neste ato de contemplação que se transmuda em gnosis, apreendemos a complexidade intrínseca ao pathos humano, e a influência indelével dos loci que palmilhamos na tessitura da nossa identidade essencial.

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