Lara
-Obrigada pela carona. -digo acenando pra Jade pela janela.
-Me liga quando acabar, precisamos comemorar.
-Me deseje sorte.
-Você não precisa. -Ela sorri e acelera.
Entro no anfiteatro, já tinha vindo ali em algumas peças mas hoje era especial, hoje eu estaria no palco.
O espelho é o local mais disputado no camarim, tudo tem que estar perfeito. Eu usava meu colan azul com detalhes na manga e saía e sapatilhas brancas. Coque habitual e um pouco de brilho e estava pronta.
Era minha vez, ouvi meu nome e sai detrás das cortinas em direção ao centro do palco. Olhei para os jurados e meu ar faltou. Era três atrás da mesa, duas mulheres magras e brancas como gelo. E um homem, ele me olhava atento, mas não eram eles que me espantaram era quem estava ao lado dele que me causava terror. Minha mãe estava ali, aquele olhar de fúria que passava a última semana sobre mim habia sumido e dado lugar a um semblante harmônico.
Ela não era do corpo de jurados mas durante a minha apresentação ela fez vários comentário ao ouvido do homem que anotava tudo. Ao fim ele agradeceu e disse que seus comentários seriam dados ao final das apresentações.
Uma hora se passou até ele chamar todas nós ao palco. Ele estava no mesmo lugar, ao lado da minha mãe.
-Eu sou Henri Bardoan, diretor da Academia de artes da Inglaterra.
Estávamos uma ao lado da outra, e uma a uma ele chamou os nomes e teceu seus comentários. Ele era doce para um jurado, elogiou algo em todas e eu estava esperançosa. Fui a última a ser chamada.
-O que dizer de Lara Schuster? -ele fez uma pausa e olhou pro lado. -Esperava mais vindo de uma grande bailarina que foi sua mãe. Você não é nem de longe o que se pode esperar de uma bailarina, você não tem brilho. Você é como alguém dançando sem rumo. Suas técnicas são bem executadas, com certeza fruto do trabalho de Isabela, mas sua dança não tem sentimento. Você pode até achar que dança mas não é uma bailarina. Não pra mim, não para minha escola, não para Inglaterra.
Todas as outras me olharam de canto de olho, eu abaixei a cabeça após ver o sorriso de satisfação no rosto da minha mãe. Em seguida o som da voz de Henri falando os cinco nomes que iriam embora com ele.
...
Eu ainda estava com a roupa da apresentação. Sentada do banco da estação de metrô agarrada aos meus joelhos.
O meu celular tocou e pela primeira vez eu quis atender.
-Jade, posso dormir na sua casa?
-Claro, mas o que aconteceu? Sua voz ta péssima.
-Vou pegar o metrô.
Em cinco minutos eu estava em frente ao apartamento dela. Ela abriu a porta e eu desabei em seus braços.
Chorei durante horas, contei o que havia acontecido e ela tinha ficado chocada com a atitude da minha mãe. Eu não estava mais chocada, eu estava com ódio.
Eu durmi no colo dela enquanto ela fazia cafuné.
Acordei de madrugada no sofá com uma coberta. Levantei e fui até a janela. Tinha vista pro parque, era lindo. São Paulo tem fama de ser uma cidade cinza e poluída. E ela é, mas ela também tinha seus prazeres e belezas. O parque era onde o concreto em volta respeitava o espaço natural das árvores e fazia com que no lago parecesse de verdade.
Fiquei presa a paisagem até cedo. Saí do transe quando Jade me abraçou pelas costas e me deu um beijo no rosto.
-Café?
-Não obrigada. Preciso fazer umas coisas.
-Toma um banho antes de sair.
-Ok, vou pegar uma toalha. -sai deixando a janela.
-Lara- ela me chamou antes de eu sumir no corredor.- o que vai fazer com relação a sua mãe?
-Nada. Mas vou precisar ficar uns dias aqui.
-Está bem.
Jade estava preucupada e com razão. Ela me conhecia muito bem. Mas não queria preucupa-la mais, pelo menos não por enquanto.
...
Eu tinha pensado no que faria só não esperava encontrar Dona Isabela na sala quando entrasse. Já era de tarde quando fui pra casa, a ideia era não encontrar ninguém. Mas nada é tão fácil pra mim.
Olhei pra ela em silêncio e subi.
Fechei a porta e coloquei minha mala em cima da cama. Coloquei metade do meu guarda roupas dentro, não pretendia voltar tão cedo. Na mochila coloquei só os produtos de higiene pessoal básico, o resto tinha na casa da Jade. Fechei a mala, coloquei a mochila nas costas.A porta do quarto se abriu antes que eu chegar a ela. Minha mãe encarou a mala, subiu devagar o olhar passando pela mochila e chegando aos meus olhos.
-Você não pode sumir desse jeito. Fiquei preucupada
-Quem você vai subornar pra me impedir dessa vez?
-Eu disse pra você nao ir.
-Você não tinha esse direito mãe. -Eu estava furiosa e tinha palavras pra expressar isso. -Você quem quis essa vida pra mim, me enfiou numa sapatilha desde de criança e me fez dançar. E não pense que aquele discusso patético que seu amigo deu me fez acreditar menos. Eu sou uma bailarina, mas não por opção.
-Mas você adora dançar. Não venha colocar a culpa em mim, você quis ir fazer o teste eu não te obriguei a nada.
Respirei fundo e gritei de uma vez.
-Chega! Eu cansei de ser seu futuro, o futuro que você não teve por minha causa. Eu cansei de levar sua culpa. Eu cansei de tentar agradar. Cansei de seu sua boneca. Eu fiz a inscrição sim, e eu iria sim pra Inglaterra, lá eu estaria longe o suficiente pra conseguir ter a minha vida e não teria você tentando projetar o seu futuro na minha vida. Mas chega a partir de agora a vida é minha, e eu faço as escolhas.Avancei sobre ela em direção a porta, ela saiu do caminho antes que a mala lhe tromasse.
-Você vai ver que eu estava certa. -Ela gritou pelo corredor.
Eu bati a porta e não olhei pra trás.
...
Kevin
Acordei com o despertador berrando e a Kim estava sentada do meu lado me olhando, com uma expressão triste que me fez lembrar tudo o que aconteceu ontem.
Que merda eu tinha na cabeça? Como eu tinha caído na ideia do Dean? Eu sabia que ele era sujo, e ele sabia que eu era um bom elemento pra turma de grandes saques dele.-Oi. -sento com as pernas pra fora da cama. -Sobre ontem queria dizer que sinto muito.
-Ok.
Ela levantou e foi em direção a porta.
- Tem café da manhã pronto.-disse antes de sair.
A mesa tinha café com leite, sanduíche de queijo e torradas. Comi rápido, estava atrasado. Quando você é drogado geralmente não trabalha, o que facilita a parte de não ter hora pra acorda. Mas eu nao era mais drogado, eu não queria fazer mais uma merda pra deixar a kim triste. Ela não merecia.
Sai correndo pelas escadas e de repente ouço meu nome
-Ken, seu lanche. - era Kim da janela la em cima, ela segurava um pacote. Fiquei em baixo quando ela soltou o pacote eu peguei e corri pro ônibus.
Ela era boa, definitivamente a única pessoa que salvará nossa família inteira. Ela era diferente, nunca se meteu em briga na escola, nunca tirou nota vermelha, sempre andou com as pessoas certas. Se não tivesse a visto nascer cogitaria a ideia de ela ser adotada. Mas não, ela era sim minha irmã.
Talvez Deus achasse que eu ainda tinha jeito, e me enviou ela. Um tipo de anjo, pra me dizer que nem tudo tá perdido.
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Fatos do destino
AcakKevin cresceu na periferia, de tudo que podia ser aprendeu com seu irmão que a vida não era justa por isso roubavam para equilibrar as suas vidas. Quando seu irmão morre ele se vê diante de uma promessa que promete mudar sua vida.