Na tarde seguinte, Anny abriu a porta e deparou com Alfonso. O prazer dessa visão foi empanado pelo menino de olhos brilhantes ao seu lado.
- Ora, ora! Quem é este rapazinho bonito?
- Sou Arthur.
- Muito prazer. Meu nome é Anny. Entrem.
Mantendo uma das mãos no ombro do filho, Alfonso estendeu alguns papéis, e disse: - Só passei aqui para entregar os desenhos e o orçamento. Meu cartão de visitas está anexo. Se tiver alguma dúvida ou desejar discutir as plantas, e só telefonar.
- Vamos economizar tempo e olhar agora mesmo. Por que a pressa? - Anny mal o olhou, sorrindo para Arthur. - Está frio, não está? O clima ideal para tomar um chocolate quente.
- Com creme de chantili? - perguntou Arthur.
- Nesta casa é proibido tomar chocolate quente sem creme de chantili! - replicou Anny, estendendo uma mão para Arthur, que apressou-se a segurá-la, já entrando no hall.
- Ouça, nós não podemos...
- Ora! Deixe disso, Herrera! Relaxe! - ela interrompeu-o, voltando a dar atenção ao menino. - Então, em que série você está? Oitava?- Não. - Arthur riu, como se achasse a pergunta absurda, e era mesmo. - Primeira.
- Está brincando! Por uma incrível coincidência, hoje o lanche é especial para meninos louros que cursam a primeira série. Você prefere biscoitos de chocolate, de creme, ou manteiga de amendoim?
- Posso comer um pouco de cada?
- Arthur!
- Oh! Finalmente encontrei minha alma gêmea! - exclamou Anny, ignorando a reprovação de Alfonso.
- Você é a moça que dança?
Anny soltou uma risada, enquanto os conduzia para a cozinha da casa dos Portillo's.
- Sim, sou eu mesma. - Lançou um sorriso por sobre o ombro, encarando Alfonso.
Então, ele falara a seu respeito com o filho... - A cozinha é por aqui.
- Eu sei onde fica a droga da cozinha - resmungou Alfonso, aborrecido com a indiscrição do filho.
- Papai falou "droga" - anunciou Arthur.
- Eu ouvi. Acho que ele não merece ganhar biscoitos.
- Os adultos podem dizer "droga", mas não podem dizer...
- Arthur!
-...mas às vezes papai fala - finalizou Arthur em um murmúrio de conspiração. - Uma vez, quando martelou o dedo, falou todas elas, uma porção de vezes.
- Verdade? - perguntou Anny, com um olhar cheio de admiração e surpresa. - Falou todas em seguida ou misturadas?
- Misturadas. E repetiu muitas vezes. - O menino sorriu de modo encantador. - Posso comer três biscoitos de chocolate?
- Claro! - Anny voltou-se para Alfonso. - Pode tirar o casaco, se quiser.
Lançou-lhe um sorriso radiante e foi preparar um grande bule de chocolate quente.
- Não queremos tomar seu tempo - murmurou Alfonso.
- Fique à vontade. Fui ajudar minha mãe na loja hoje de manhã, e Christopher, meu irmão, vai ficar lá à tarde. Esta é a luva de beisebol dele - disse a Arthur, que afastou depressa a mão estendida para o objeto.- Eu estava só olhando - explicou com voz culpada.
- Tudo bem, Arthur. Pode segurá-la, meu irmão não vai se importar. Você gosta de beisebol?
- Vou entrar na Liga Infantil quando for mais velho.
- Christopher fez a mesma coisa na sua idade, e hoje joga para um time oficial, o L.A. Kings.
Os olhos do menino se arregalaram, como duas bolas esverdeadas e brilhantes.
- Sério?!
- Sim. - Anny enfiou a luva na mão do maravilhado Arthur. - Quem sabe, quando crescer, jogará também.
- Nossa! Papai... É uma luva de beisebol de verdade!
- Sim - replicou Alfonso, incapaz de ficar indiferente a quem dava alegria ao seu filho. Passou a mão nos cabelos de Arthur e sorriu para Anny. - Posso comer os biscoitos de chocolate também?
- Claro!
Enquanto preparava a bebida quente e as guloseimas, Anny pensava que o menino era um amor. Tinha um fraco por crianças, e aquele menino, como seu pai dissera, era um azougue.E o mais interessante de tudo, pensou consigo mesma, era a união entre pai e filho. Forte como aço e doce como mel. Fazia-a desejar afagar os dois.
- Senhora?
- Anny - ela corrigiu o menino, estendendo-lhe a caneca com chocolate. - Tome cuidado porque está quente.
- Certo. Anny, por que usa roupas engraçadas quando dança? O papai não sabe.
Alfonso pareceu soltar um suspiro desesperado e concentrou-se em escolher os biscoitos que queria.Anny arqueou as sobrancelhas, colocou as outras canecas sobre a mesa e sentou-se.
- Costumamos chamar de trajes de dança. Ajudam a explicar qualquer história que se conte através da música.
- Como pode contar histórias dançando? Eu sei que se pode ler e contar histórias.
- E como se falássemos, só que através de movimentos e de sons. O que lhe vem à cabeça quando ouve Jingle Bells sem a letra da canção?
- Natal. E só faltam cinco dias.
- Isso mesmo, e se fosse dançar Jingle Bells os movimentos seriam alegres, rápidos e divertidos, para fazer pensar em trenós e bolas de neve. Por outro lado, se a música fosse Noite Feliz, tudo seria lento e respeitoso.
- Como na igreja.
Anny percebeu que ele era um menino muito inteligente.
- Isso mesmo - respondeu. - Vá me visitar quando a escola for inaugurada e mostrarei como se conta uma história dançando.
- Acho que o papai vai construir para você.
- Sim, talvez.
Interessada, Anny abriu a pasta com os desenhos, e Alfonso notou, curioso, que ela deixara o orçamento de lado. Procurava analisar o projeto e não o preço, concluiu para si mesmo.
Arthur concentrou-se na tarefa de tomar o chocolate quente, soprando, em atitude de alegre antecipação. Anny ignorou o lanche, e quando começou a fazer perguntas, Alfonso aproximou sua cadeira, esquecendo também de que estava na mesa para comer os biscoitos e tomar a bebida quente. A cabeça de ambos quase se encostou sobre os desenhos. Alfonso achou que ela tinha um perfume delicioso.- O que é isto? - perguntou Anny.
- Uma porta corrediça. Economiza espaço. Este corredor é estreito. Colocarei uma também no seu escritório. Precisa de privacidade, mas não deve sacrificar a área útil.
- Gostei. - Voltou a cabeça e encarou-o nos olhos. - Gostei muito. Fez um excelente trabalho. - De novo retornou a atenção para os desenhos sobre a mesa, enquanto Alfonso lutava contra a excitação e o nervosismo.Com total concentração, ela examinou cada desenho e sugestão, fazendo modificações, aceitando outras, ou colocando de lado para futura análise. Conseguia visualizar tudo em sua imaginação e notava os detalhes que Alfonso acrescentara ou alterara. No momento, pensou, não conseguia ver nenhuma falha.
Estava impressionada com a dedicação de Alfonso. Os desenhos eram limpos e profissionais. Duvidava de que conseguisse algo superior com um arquiteto.
Quando terminou de examinar, pegou o papel com o orçamento, também muito organizado, e correu o olhar pelas cifras. Engoliu em seco e disse:- Bem, Arthur - sorriu, pousando os papéis sobre a mesa. - Você e seu pai estão contratados.
Arthur riu satisfeito e serviu-se de outro biscoito, sem cerimônia.
Só então Alfonso percebeu que estivera prendendo o fôlego, e respirou, aliviado, tratando de se controlar. Era a maior empreitada que assumia, desde que voltara para a Virgínia.
O trabalho manteria sua equipe ocupada por todo o inverno, quando as construções em geral avançavam com maior lentidão. Teria que usar todos os operários disponíveis, e seriam muitas horas de serviço diário. E o dinheiro era uma benção dos céus.
Além do mais, desejava pôr as mãos naquele prédio. O problema seria mantê-las longe de Anahí Portillo...
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I really like you
FanfictionEla faria com que tudo fosse perfeito. Cada centímetro, cada recanto, cada detalhe seria elaborado do modo como desejava e visualizava, até que seu sonho se tornasse realidade. Afinal, contentar-se com menos do que a perfeição era perda de tempo. E...