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Uma hora mais tarde, os armários estavam colocados e Alfonso trabalhava na copa. Já remoera a cena com Anny meia dúzia de vezes mas, a cada repassada, lembrava-se de alguma coisa que poderia ter dito e que não dissera. Comentários curtos e diretos que teriam virado o vento a seu favor. Mas, na primeira oportunidade, despejaria tudo para ela.

Não pretendia se humilhar, pensou, enquanto martela­va uma prateleira. Não tinha nada para pedir desculpas. As mulheres eram um bom motivo para que muitos homens preferissem viver sozinhos, concluiu. Se era um idiota, por que ela insistira tanto em envolver-se?
Ocupado com esses pensamentos, deu um passo para trás, virou-se e quase esbarrou em Pedro Portillo.

- Que susto! O que há com as pessoas hoje? Todo mun­do chega atrás de mim feito um gato, sem fazer barulho?

- Desculpe. Achei que não iria me ouvir com tantas marteladas por aqui.

- Vou pendurar cartazes - disse Alfonso, pegando uma outra prateleira. - Proibida a entrada de mulheres em ge­ral e de homens de gravata.

Pedro arqueou as sobrancelhas. Era a primeira vez que via Alfonso irritado.

- Imagino que não tenha sido o primeiro a interrom­per seu trabalho hoje.

- Acertou. - Alfonso testou a prateleira, que deslizou perfeitamente no encaixe. Pelo menos alguma coisa estava dando certo naquele dia, pensou com sarcasmo, voltando a falar em voz alta: - Veio conversar sobre o projeto de sua cozinha, Sr. Portillo? Basta aprovar o material que irei pro­videnciar. Dentro de algumas semanas poderei começar o trabalho.

- Na verdade, estou fora desse assunto. Marichelo é dona absoluta dos problemas da cozinha e da reforma. Só passei para ver os progressos no prédio de minha filha. E vejo que a obra está bastante adiantada.

- Sim, está indo bem rápido. - Alfonso apoiou uma outra prateleira que ia encaixar e respirou fundo. - Des­culpe, Sr. Portillo. Não estou tendo um bom dia.

Pedro gostaria de saber o que acontecera entre Alfonso e Anny, para que ela tivesse ficado tão mal-humorada, mas apenas disse:

- Anny está no térreo arrumando o escritório.

Alfonso voltou a mexer na prateleira de modo lento e de­liberado.

- Não sabia que ainda estava aqui.

- A mobília que encomendou acabou de chegar. Também não fui recebido com muito entusiasmo lá embaixo. Portanto, somando dois mais dois, creio que vocês discutiram.

- Não chega a ser uma discussão quando alguém salta no seu pescoço sem aviso prévio. Foi um ataque.

Pedro segurou o riso.

- Bem... correndo o risco de ser considerado inconve­niente, as mulheres de minha família sempre acham que têm um bom motivo para brigar com os homens. É claro que se têm razão ou não é indiscutível.

- E por isso que são um problema.

- Entretanto, ruim com elas, pior sem elas ..

- Estava indo muito bem sozinho com Arthur. - Um olhar de frustração dominou o semblante de Alfonso, que voltou-se para Pedro Portillo. - Afinal, o que há de er­rado com as mulheres para complicar tanto as coisas e dei­xar os homens se sentindo como perfeitos idiotas?

- Filho, milhares de gerações masculinas vêm se ques­tionando o mesmo, e ainda não chegaram a uma conclusão.

Com uma risada seca, Alfonso voltou-se de novo para o trabalho e, com um gesto automático, perscrutou as prate­leiras, tentando descobrir alguma falha.

- Bom - falou -, acho que já não importa mais. Anny terminou tudo entre nós.










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