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A sexta-feira não estava sendo um bom desfecho para a semana de trabalho, concluiu Alfonso. Primeiro um de seus homens telefonara para avisar que a gripe daquela temporada o atingira e o deixara de cama. Ao meio-dia, tivera de mandar outro operário para casa, porque estava tão gripado que nem conseguia levantar um martelo.

Como os outros quatro homens que compunham sua equipe estavam em outra obra do outro lado do rio, em Maryland, ele ficara sozinho para lidar com o inspetor da prefeitura a respeito dos encanamentos e algumas mudanças que teriam de ser feitas.

O pior de tudo, e o que mais o irritara, fora ficar sozinho com o pai durante grande parte do dia.

Luiz Herrera estava com metade do corpo debaixo da pia da cozinha. As velhas botas tinham recebido novas solas dezenas de vezes. Teimoso como era, o velho só concordaria em comprar um novo par quando aquelas virassem pó.

Não preciso de nada além do necessário, era o que Luiz diria, uma frase que usava sempre, para tudo. E tudo tinha que ser ao seu modo, matutou Alfonso, procurando justificar o próprio ressentimento.

Ele e o pai nunca havia se dado bem.

- Desligue essa coisa barulhenta - ordenou Luiz. - Como um homem pode trabalhar com esse som infernal?

Sem responder, Alfonso foi até o aparelho de som portátil e desligou-o. Qualquer música que ouvisse seria considerada horrível pelo pai. E Luiz praguejava e resmungava enquanto trabalhava, motivo pelo qual Alfonso ligara o rádio.

- Que idéia estúpida diminuir esta cozinha! Perda de tempo e de dinheiro. Espaço para o escritório... Conversa fiada! Quem precisa de escritório para ensinar um bando de garotinhas mimadas a ficar na ponta dos pés?

Alfonso tentara ao máximo trabalhar longe da cozinha, mas chegara o momento de ficar ali também, portanto respondeu:

- Tenho tempo, e a cliente tem dinheiro.

- Sim. Os Portillo têm muitos recursos. Porém, isso não é motivo para jogar dinheiro pela janela, é? Deveria ter dito a sua cliente que é um erro diminuir a cozinha.

Alfonso deu uma martelada e disse a si mesmo para ficar calado, mas não conseguiu.

- Não acho que esteja fazendo um erro. É desnecessário uma cozinha tão grande aqui. No passado foi projetada para servir dezenas de pessoas. O que uma escola de dança vai fazer com uma cozinha de restaurante?

- Escola de dança! - resmungou Luiz com pouco-caso. - Não dou um mês para durar! E aí como ela vai vender este prédio todo recortado? Pias da altura de crianças nos banheiros! Terá que quebrar tudo de novo! Fiquei surpreso com o fato de o homem da prefeitura não achar ridículo.

- Quando se ensina crianças deve-se ter acomodações próprias para elas.

- Basta a escola primária para isso, não acha?

- Mas não ensinam bale na escola.

- Pois vou lhe dizer uma coisa - sibilou Luiz, aborrecido com o tom de voz do filho. Como Alfonso, também lutava consigo mesmo para ficar calado, mas não conseguia. Pôs a cabeça para fora e disse: - Sua obrigação vai além de pegar o dinheiro dos clientes, rapaz. Deve conhecer o bastante da profissão para ensinar-lhes o que é certo.

- A não ser que eu concorde com a opinião deles - retrucou Alfonso.

Luiz sentou-se no chão, o boné azul e desbotado pendendo da cabeça coberta por cabelos grisalhos e oleosos. Seu rosto era quadrado e muito enrugado, entretanto na juventude fora um homem bonito. Os olhos eram esverdeados como os do filho.

- Precisa aprender a não responder a seu pai.

- Já pensou em não falar tudo que pensa, pai? - retrucou Alfonso, começando a sentir a dor de cabeça que sempre o dominava quando ficava muito tempo ao lado de Luiz Herrera.

O pai levantou-se. Era muito alto e esbelto. Mesmo aos sessenta anos conservava um físico musculoso.

- Quando tiver vivido tanto quanto eu, e adquirir a minha experiência profissional, poderá me responder.

- Você diz isso desde quando eu tinha oito anos - ob¬servou Alfonso. - Acho que posso dizer que já tenho bastante experiência. Este é o meu trabalho, projetado e executado. É feito como acho que tem que ser. - Encarou o pai. - O cliente tem o que deseja. Contanto que Anahí Portillo fique satisfeita, tudo bem.

- Pelo que ouvi dizer, tem feito mais do que só satisfazê-la no trabalho.

Mal dissera aquilo, Luiz arrependeu-se. Não tivera intenção de falar assim, mas escapara. Deus! O filho sempre o tirava do sério, pensou com irritação.

Alfonso segurou com força o martelo. Por um longo momento, desejou gritar ao pai uma série de palavras amargas. Por fim, respondeu:

- O que existe entre mim e Anahí Portillo só diz respeito a nós dois.

- Moro nesta cidade também, assim como sua mãe. Se falam de minha família, sou atingido. Você tem um filho para criar, e não deve ficar circulando com uma moça elegante para provocar comentários.

- Não ponha Arthur na conversa. Deixe meu filho fora disso!

- Arthur é meu sangue também, e nada mudará isso. Manteve-o na cidade grande todo aquele tempo para poder dar suas voltas, sabe Deus aonde, mas agora regressou. Na minha cidade não vou permitir que me envergonhe, nem ao menino.

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