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- Dia perfeito, não? - sorriu Jack, fazendo a mulher revirar os olhos, conformada, e dizer:

- Não contei nem a metade. Qual o nome do cachorro?

- Pancho - respondeu Arthur. - Ele é meu.

- Pois vou tomar conta dele muito bem.

- Certo. - Arthur examinou a senhora, mordendo o lábio. - Mas se ele chorar, me chame.

- Combinado! Agora podem ir. Conhecem o caminho.

Mesmo que não conhecessem, teriam achado facilmente a sala de ensaios, guiados pelos gritos que ouviam.

- Davidov - explicou Angel. - Vamos para a frente.

- É verdade que ele come cachorros? - perguntou Arthur em um sussurro assustado.

- Não. - Alfonso segurou a mão do filho. - Era brincadeira - acrescentou, esperando, no íntimo, que fosse mesmo.

Mas se Davidov não devorava animais, naquele momento parecia predisposto a devorar os bailarinos.

Interrompeu a música com um dramático gesto de mão.

- Vocês dois - disse, apontando para o casal de bailarinos que ofegava, suando copiosamente. - Fora do meu palco! Molhem a cabeça na água fria! Talvez voltem daqui a uma hora, dançando de verdade. Portillo! Blackstone - berrou a plenos pulmões. - Já!

Andava de um lado para o outro, com passadas nervosas, alto, magro e com uma cabeleira que mesclava fios dourados e prateados. O rosto era sulcado de rugas e tinha uma expressão muito severa.

- Estou com medo - declarou Arthur.

Alfonso pediu silêncio, e sentaram-se em uma fileira de poltronas atrás de uma mulher que lá estava sozinha. Então Anny surgiu no palco, e Alfonso ficou de boca aberta.

- Olhe, pai! É Anny! E está fantasiada!

- Estou vendo. Fique quieto.

Ela tinha os cabelos soltos sobre um vestido vermelho com cintura justa e camadas de tecido formando várias saias que iam até pouco abaixo dos joelhos, mostrando parte das longas pernas e os pés com sapatilhas de ponta.

Caminhou com as mãos nos quadris, até ficar frente a frente com Davidov, e disse:

- Expulsou-me do palco. Nunca mais faça isso.

- Ordeno que entre e que saia quando bem entender. É o meu trabalho. O seu é dançar. - Olhou para o rapaz alto e louro, com uma malha branca, que surgira ao lado de Anny. - Um passo atrás. Espere!

Virou-se para a orquestra.

- Abertura. Portillo, você é Carlotta. Seja Carlotta! Luzes!

Anny respirou fundo, tomando posição. A perna esquerda mais atrás, o pé esticado, os braços formando uma arco sobre a cabeça, delicado e feminino, o rosto erguido e orgulhoso. Quando a música principiou, um único spot iluminou o palco, seguindo seus movimentos, e ela começou a dançar. Era um solo muito difícil e que exigia tudo da artista. Passos rápidos e desinibidos. Os músculos respondiam aos acordes, os pés pareciam flutuar no palco. Terminou com um gesto firme, no mesmo ponto e na mesma postura com que começara. Com o coração acelerado pelo esforço, lançou a Davidov um olhar de desafio e saiu do palco, enquanto seu parceiro tomava posição.

Alfonso nunca vira nada igual, nem sabia que podia existir. Anny fora... mágica. Ainda pensava a respeito, quando ela voltou ao palco.

Os dois bailarinos começaram a dançar juntos dessa vez. Alfonso nunca pensara que o bale pudesse ser sensual, mas aquele, pelo menos, era, com uma mulher provocante e um homem arrogante.

I really like youOnde histórias criam vida. Descubra agora