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Anny suspirou de leve e foi debruçar-se na janela do carro do irmão, murmurando:

- Talvez você não seja um bobalhão, afinal.
- Arthur é um menino e tanto. - Christopher deu um beliscão de brincadeira no rosto da irmã. - E você está de olho no pai, pelo que pude notar.
- Sim. E não vou desistir. - Rindo, inclinou-se para beijá-lo. - Vá você atrás das garotas da cidade grande. Prefiro os homens do interior.
- Comporte-se...
- De jeito nenhum!
Christopher riu e ligou o motor.
- Até mais ver, mana.
Ela deu um passo atrás e acenou.
- Boa viagem.

* * *

Por tradição, Marichelo fechava a loja na véspera de Ano-Novo. Passava esse dia na cozinha, fazendo uma dezena de pratos para a ceia em sua casa. Parentes, amigos, vizinhos, quem quer que desejasse encontraria a porta aberta naquele dia do ano, e o movimento era constante durante horas.

- Christopher deveria ter ficado para a festa - disse Anny.

- Bem que eu gostaria - concordou a mãe, verificando os abricós que pusera para ferver. - Não fique aborrecida, minha filha. Houve um tempo em que sua vida e seu trabalho a mantinham longe de casa também.

- Sei disso - replicou Anny, continuando a fazer a massa para a torta. - É que estou melancólica. Sinto falta do bobalhão, só isso.

- Eu também.

Panelas soltavam fumaça sobre o fogão, um tender assava no forno. Anos atrás, pensou Marichelo, três crianças ficavam zanzando pela cozinha, atrapalhando seus movimentos, enquanto ela preparava aqueles mesmos pratos. Eram gritinhos, exclamações e risadas, que às vezes a tiravam do sério.

Fora um tempo maravilhoso. No momento, só restava Anny, amassando com fúria a farinha para o pastelão, concluiu com melancolia.

- Parece inquieta - observou, provando o caldo de uma das panelas. - Não tem muito o que fazer enquanto o prédio está sendo reformado.

- Estou fazendo planos.

- Sim, sei disso. - Marichelo encheu duas xícaras com chá e levou-as para a mesa. - Sente-se, minha filha.

- Mãe, eu...

- Sente-se. Então, você é como eu - continuou Marichelo, ocupando outra cadeira. - Planos, detalhes, objetivos. São todos tão importantes... Queremos logo saber o que vai acontecer porque assim podemos controlar as coisas.

- E o que há de errado nisso?

- Nada. Quando vim para cá a fim de abrir minha loja foi muito difícil. Senti muito ter de me separar de minha família, mas era preciso. Não sabia que iria encontrar seu pai nesta cidade. Isso eu não planejei.

- Foi o destino.

- Sim. - Marichelo sorriu. - Nós duas temos o hábito de planejar e calcular tudo. Mesmo assim sabemos que o destino existe. Portanto, quem sabe foi ele quem a trouxe de volta para casa?

- Está desapontada? - perguntou Anny, deixando escapar a pergunta que a martirizava e sentindo alívio e medo ao mesmo tempo.

- Com o quê? Com você? Por que acha isso?

Anny girou a xícara entre as mãos, buscando as palavras certas.

I really like youOnde histórias criam vida. Descubra agora