bônus ⅱ | ou ❝a última vez❞

3.1K 452 80
                                    

— Vocês dois, arrumem um quarto! — meu irmão mais velho gritou, horrorizado, ao chegar rodoviária. Naquele semestre, Ricardo tinha estado mais em Viveiro do que em São Paulo.

— Fica na sua. — João revidou, divertido.

Apareci no mezanino que dava direto para o primeiro piso de casa. João e Dolores estavam deitados no sofá, e Ricardo, sendo Ricardo, estava olhando para eles, horrorizado. Concluí que João e Dolores deviam estar fazendo o que sempre fazem: sexo. Em todas as horas, em todos os lugares, a despeito de quem possa aparecer.

— Para que toda essa gritaria? — falei, enquanto descia as escadas circulares para me juntar a eles — Só porque João e Dolores estão transando na nossa sala de estar? Isso não é motivo, eles fazem isso o tempo todo.

Todos me olharam como se eu estivesse vestindo a minha cueca no pescoço.

— O que foi? — perguntei.

— Você fez um comentário descontraído. Uma piada. — fez Ricardo em resposta, e em seguida abriu a boca em admiração.

— Mal posso esperar para você voltar para a faculdade.

— Mesmo eu tendo acabado de chegar?

— Principalmente por isso.

— Vai ver a faculdade dele pegou fogo também. — comentou João — Ele passa mais tempo aqui do que em São Paulo.

Ele só estava tentando ser engraçado, eu sabia. Mas ainda era cedo para trazer o incêndio à tona. Para fazer piada a respeito.

O sorriso desapareceu do rosto de Ricardo, e Dolores colou um tapa no braço direito de João. Ela se arrependeu quando se lembrou das cicatrizes de queimadura sob sua camisa.

A única pessoa que passou por uma tragédia e consegue fazer piada sobre isso, é a pessoa que bloqueou tudo que sente a respeito.

— Eu preferia ter levado um soco. — falei, sob o olhar piedoso de Dolores.

Desde que Valéria se foi, ela não conseguia sustentar meu olhar. Quando a encarei de volta, ela fixou os olhos na direção oposta.

— Nick, por que você não me mostra o estúdio novo? — convidou Ricardo — Continuar trabalhando naquela...

— Me desculpe, Nick. — se adiantou João, desesperado. Ele tinha se esforçado muito para eu não pensasse nela a todo momento, e temia ter arruinado isso.

— Está tudo bem. — cortei, e disse a meus irmãos — Posso falar com Dolores a sós? — todos me encararam como se não fosse seguro me deixar a sós com a melhor amiga de Valéria Corrêa — Por favor.

João trocou um olhar severo com o Ricardo, e os dois partiram para a cozinha; eu sabia que eles ficariam com a orelha colada na porta escutando tudo, mas o problema não era eles ouvirem a conversa.

Era dizer na frente deles.

— Você sabe sobre o que eu vou falar. — limpei a garganta — Todos estão preocupados comigo por causa... dela... mas é o comportamento de João que me preocupa. Ele tem bebido demais, vai a festas demais, se recusa a conversar com uma psicóloga, e não venha me dizer que esse apetite sexual sempre foi assim.

Dolores assentiu.

— Nicholas, ele está tentando. Do jeito ridículo como ele lida com as coisas, mas ele está tentando.

— Não, não está. Ele deve estar com algum tipo de bloqueio. — hesitei; era tão monstruoso para mim quanto para Dolores falar sobre aquele dia — Foi ele que tentou salvá-la.

Onde Há FumaçaOnde histórias criam vida. Descubra agora