Esperei a cortina fechar para sair correndo. Eu era boa em fugir, já que era só o que eu tinha feito no último ano. Passei no camarim brevemente para pegar as minhas coisas e saí portão afora, com um único pensamento na cabeça: entrar no primeiro táxi que encontrasse, e ir direto para o hospital ver Zacarias.
Ah, e fugir de Natan e Lorena antes que um dos dois aparecesse.
Porém, antes que eu chegasse à calçada, dei de cara com Natan encostado na BMW de seu pai, com as mãos nos bolsos da calça de alfaiataria. Ele deduziu que eu tentaria escapar sem dar explicações.
Ele olhava para mim. Não havia raiva, ciúme ou desprezo em sua expressão, apenas decepção.
— Se você não estava confortável com essa peça, devia ter me falado antes. Eu teria desistido. — disse eu, na maior cara de pau.
— E me tornar o monstro que queria te impedir de ajudar Zaca? — ele falava com a voz embargada — Até onde eu sabia, o Mário é quem ia substituí-lo. — eu abri a boca para explicar, mas Natan me dispensou com um aceno, indo direto ao ponto — Lucas mentiu para você, Valéria. Como você pode perdoá-lo?
— Todo mundo diz mentiras. Inclusive você. — acusei, cansada.
— Eu não estou mentindo agora: você vai se arrepender desse elo, Val. — desabafou Natan, e eu notei algo diferente em sua voz.
A relação de Natan e Lucas era complexa. E isso quer dizer muita coisa, vindo de mim e considerando a relação – ou falta de uma – que eu tinha com a minha própria mãe.
Mas eu nunca tinha visto tanta desconfiança e competição entre dois irmãos, ainda mais gêmeos. Alguma coisa bem grave devia ter acontecido entre os dois no passado, e nenhum deles tinha me contado. Esse era o maior sinal de que algo estava errado ali.
— Vou te dar um tempo para pensar. — disparou Natan — Vou voltar para São Paulo hoje, e no dia do seu baile eu estarei de volta.
Eu quase tinha me esquecido do Baile de Formatura, e que Natan me acompanharia; com a situação de Zaca, eu não queria ir, mas já tinha pagado pelos convites, que não davam direito a reembolso.
— Se você me quiser, nós vamos ficar juntos. — continuou — mas é importante que você entenda que a minha tolerância para o que quer que você tenha com Lucas acabou. Se você escolher ele, bem... pelo menos você não vai ter que se preocupar comigo mais.
— Eu sempre, sempre, sempre vou me preocupar com você. — falei, dando um passo na direção de Natan. Ele não recuou, mas sua postura não encorajava que eu me aproximasse nem mais um milímetro.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Eu não gosto de ultimatos, Natan.
— Nem eu. Mas depois do que eu vi hoje, você não me deixou muita escolha. — eu pude ouvir o nó em sua garganta.
Natan passou os braços pela minha cintura e me abraçou. Não me beijou, nem na bochecha. Meus lábios tinham tocado os do irmão dele havia menos de meia hora.
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Onde Há Fumaça
Jugendliteratur"Eu tinha que sair de Viveiro antes que alguém pudesse cogitar que houve um crime por trás do incêndio que deixou vítimas e feridos, e destruiu a minha antiga escola. Apesar de eu me odiar por ter feito a escolha de sair da cidade como uma covarde...