Eu desviei os olhos para o rosto de Alan para ver se ele estava brincando. Não estava. Pisquei algumas vezes para confirmar, e não era mesmo brincadeira. Cogitei que, talvez, os eventos recentes levaram consigo a sanidade de Alan Jordan.
— Professor, como...?
— Primeiro, não me chame de professor. Somos amigos. E segundo, não responda agora. – ele não deixou que eu concluísse a minha tese de que a sugestão dele era um absurdo – Você está abalada pelos acontecimentos da sua vida e não está pensando direito. Mas está na hora de voltar para casa, Valéria, e mesmo que você não tivesse que responder um processo criminal em Viveiro, você sabe que é a coisa certa a se fazer.
— Eu concordo, sabe. – falou Lucas, e eu me assustei com a sua chegada repentina. Ava vinha logo atrás dele. Não sabia em que momento ele havia chegado ali, mas pude concluir que Ava o tinha chamado no instante em que se deu conta do que se tratava tudo aquilo. E, embora ela não fizesse ideia de profundidade das encalacrações com Nicholas e os investigadores, tomou a melhor decisão que podia ser tomada: trazer Lucas para perto de mim.
Ava era uma boa amiga. Para Zaca, e para mim. O que só me levava a um pensamento: era impressionante como eu conseguira reunir os amigos mais estranhos. O atacante popular da escola, a atriz careca e o professor de Sociologia. Ah, e o nerd suicida (embora ainda seja muito cedo para fazer graça disso).
— Não a conheço tão bem quanto os outros, mas ficou claro que depois de ver o encaracolado... – começou Ava, referindo-se aos cabelos de Nicholas.
— O outro Jordan. – acrescentou Lucas – Nicholas.
— Isso, o Nicholas, quem quer que seja... você não vai aguentar ficar aqui mais, Valéria. – finalizou ela, torcendo a barra do vestido – Eu vi nos seus olhos.
— Vocês não acham que só por causa de um showzinho de formatura de escola eu vou largar toda a minha vida aqui e simplesmente voltar para Viveiro, não é? Não é tão simples. – argumentei – Eu já fiz isso uma vez e não deu certo, e adivinhem? Não estou a fim de estragar tudo de novo.
— Você sabe que nunca chegou a se recuperar de tudo que aconteceu em Viveiro. – ponderou Lucas, agachando-se para me olhar nos olhos, já que eu estava sentada no chão me recuperando da queda de pressão – Você simplesmente fugiu, e fugir, ao contrário do que parece, não é um modo de lidar com as coisas.
— É um modo covarde de lidar com as coisas. – contrapus.
— Você está longe de ser covarde. – disse Ava, agachando-se ao lado de Lucas – Você é muito corajosa, Valéria. Só uma pessoa de coragem se postaria na frente da nata de Vitória e discursaria sobre tratamento psicológico para depressão.
Todos riram, ainda que soubessem que era verdade. Não era à toa eu estar completamente exausta e ter desmaiado: enfrentar a elite de Vitória e os demônios do passado na mesma noite não era pra qualquer um.
— Você tentou escrever uma história por cima de outra, – continuou Lucas, exercendo suas habilidades sobrenaturais de me compreender além de qualquer outro – e o seu passado veio atrás de você, justamente porque você nunca o deixou para trás.
Eu procurei nos olhos dele algum indício de que não estivesse falando sério. Esperei por alguns segundos, certa de que ele falaria algo do tipo a-quem-estou-enganando, e me proporia que eu deixasse tudo em Viveiro de lado, e ficasse em Vitória com ele.
Mas, se ele fizesse isso, não seria Lucas Avelar.
E se ele não fosse Lucas Avelar, eu não ouviria uma palavra do que ele estava dizendo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Onde Há Fumaça
Ficção Adolescente"Eu tinha que sair de Viveiro antes que alguém pudesse cogitar que houve um crime por trás do incêndio que deixou vítimas e feridos, e destruiu a minha antiga escola. Apesar de eu me odiar por ter feito a escolha de sair da cidade como uma covarde...