Eu estava na lanchonete da minha nova escola quando Lucas Avelar arrastou uma das cadeiras e sentou-se à minha mesa até então solitária, erguendo a câmera polaroid que trazia consigo.
Ele tirou uma charmosa foto minha com a boca cheia de pão de queijo.
— Ouvi dizer que você foi a maior fracassada na Educação Física. — ele comentou em tom de provocação, piscando aqueles olhos azuis pra mim enquanto sacudia a fotografia recém-tirada, esperando a imagem surgir.
Prefiro não tecer comentários sobre a Educação Física.
— Eu te chutaria daqui, se não fosse o único amigo que eu tenho.
Lucas sorriu, evidenciando seu maxilar recortado e aqueles dentes perfeitos, além da expressão criativa e travessa que ele sempre trazia no rosto.
— Você precisa de mim. — ele concordou, mordendo uma maçã e continuando de boca cheia — Então, vai um jogo de futebol de areia beneficente entre celebridades na praia hoje, depois da aula. Vai ser aquele cara da Malhação que é capixaba, um outro que todas as garotas dizem que é o maior galã, contra uns caras filhos de algum empresário daqui de Vitória.
— E daí?
Pessoas famosas atraem grandes multidões, e grandes multidões repelem Valéria.
— Daí que você é uma garota e eles são uns bonitões. — Lucas arqueou uma das sobrancelhas — E eu serei o seu herói se te levar até lá.
Eu contei mentalmente até dez, esperando que ele dissesse que estava brincando. Ele não estava, e não pude evitar, foi mais forte que eu: caí na gargalhada pelo que me pareceram uns cinco minutos. Quando finalmente recuperei o fôlego, falei:
— Você sabe alguma coisa sobre mim? Qualquer coisa? — o rosto de Lucas ficou de todas as cores, envergonhado por eu rir feito louca do convite dele — O que te faz pensar que eu ia querer ficar no meio de gente rica, capixaba e pretensiosa, tietando uma subcelebridade?
— Você será prestigiada pela minha companhia inestimável. — ele deu de ombros e piscou para mim. Olhos azuis como o oceano. Eu me afogo neles.
— Isso é um teste? — insisti na brincadeira, mas ele sabia que tinha me ganhado.
— Vou te esperar no estacionamento, quando o sinal tocar. — falou, dando sua última mordida na maçã que comia — E não adianta fazer essa carinha... — acrescentou ele, enquanto eu forçava meu olhar assassino em sua direção — Vamos nos divertir um pouco. Temos muito o que conversar. Ainda quero saber o que você está fazendo em Vitória.
Eu abri a minha boca para dar uma resposta evasiva, mas não foi necessário. No segundo seguinte, José e todos os seus amigos do time de futebol sentaram-se à nossa mesa. Não soube dizer se todos já estavam olhando para nós antes, mas depois daquilo, definitivamente éramos o centro das atenções naquela cantina.
— Olha o Avelar, honrando o sobrenome que carrega! — falou um garoto de cabelos castanhos muito escuros, alto e troncudo, cuja voz era absurdamente grave. Como os outros, ele vestia o uniforme do time de futebol.
Lucas abaixou a cabeça enquanto os garotos ocupavam as cadeiras vazias da mesa em que nos sentávamos. Aquilo era meio estranho. Em Viveiro, pelo menos, nenhum atleta faria muito esforço para se sentar com um perdedor que queria salvar baleias e sua nova amiga fracassada.
— Seu time está orgulhoso de você, garoto. — o Zé acrescentou — Mário Ney estava pontuando que da última vez que vimos você com essa boa vontade, ganhamos o Campeonato Estadual.
Lucas lançou a ele um olhar fulminante, e todos eles riram de se acabar. Em seguida, deram murros gentis nos ombros de Lucas e saíram, repelidos pela minha expressão de desprezo.
— Então... você nunca me disse que jogava futebol. Ou que frequentada a escola-dos-ricos.
— Isso é... coisa do meu pai. — ele murmurou em resposta, como se receasse que outras pessoas pudessem ouvir — Ele me acha a ovelha negra da família por abraçar as causas ambientais e trabalhar no Aquário. Me obrigada a passar tempo no meio de todos esses herdeiros de grandes companhias, na esperança de que eu acorde um dia, e pule da cama de terno e gravata, segurando uma pasta.
Lucas havia mencionado algumas vezes que seu pai não era muito fã de seu trabalho voluntário no Aquário. Apesar de eu achar que Lucas daria um excelente biólogo, eu sabia que a carreira não pagava tão bem e que era perfeitamente normal que um pai desejasse algo além para o filho.
— Enfim, e na nossa última conversa de mais de dez minutos ele disse que se eu não entrasse para o time, ele... mandaria a Britney embora de casa. — finalizou Lucas.
— Britney?
— Minha caminhonete. — ele piscou para mim. Eu e meus hormônios só precisávamos disso para não fazermos mais perguntas sobre o nome da caminhonete.
— Deve ser um saco para você, jogar por obrigação.
— Ah... eu sobrevivo. — ele se levantou, abruptamente — Val, preciso correr, minha aula é do outro lado da escola. Como não tem mais Educação Física hoje, acho que você chega até o estacionamento no fim da aula inteira.
— Engraçadinho. — dei um tapa nas costas dele enquanto ele se levantava, para restituir a minha dignidade.
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Onde Há Fumaça
Roman pour Adolescents"Eu tinha que sair de Viveiro antes que alguém pudesse cogitar que houve um crime por trás do incêndio que deixou vítimas e feridos, e destruiu a minha antiga escola. Apesar de eu me odiar por ter feito a escolha de sair da cidade como uma covarde...