Zaca apareceu na sala de televisão, onde eu assistia a um filme de princesas, e me deu uma chave de pescoço que poderia ter me asfixiado enquanto embolava todo meu cabelo em cima da minha cabeça.
Quer me irritar? Embole meu cabelo.
— Quando você vai crescer? — falou ele, enquanto eu tentava me esquivar de seu aperto desconfortável — Assistíamos a esse filme quando tínhamos sete anos.
— Mentiroso. Quando você tinha sete anos, estava clonando o Zé no seu quarto, seu nerd. — devolvi, tentando chutá-lo nas canelas.
Zaca soltou uma risadinha e largou o meu pescoço para me perguntar:
— Falando em clones, como está o Natan? — implicou ele, ajeitando o próprio cabelo, tirando-o dos olhos, como faziam Lucas e Natan.
Natan e eu estávamos namorando havia dois meses, e eu não podia estar mais feliz. A única dificuldade real desse relacionamento era conciliar meu tempo com ele com a atenção que eu precisava dar a Lorena, que não o suportava. Quanto a Lucas, eu só o encontrava na escola.
Meu novo relacionamento, minha amizade com Lorena e Zaca e meus compromissos escolares tinham tirado a minha cabeça de tudo o que tinha acontecido em Viveiro. Eu só me lembrava de Nicholas quando Lorena o trazia à tona.
Meu ex-namorado tinha se tornado seu assunto favorito, dado seu ódio mortal por Natan. Ela ficava tentando me convencer a voltar com ele, mas era mais como uma piada. Tive que bani-la da minha gaveta em que eu guardava as cartas que escrevi para ele, porque Lola ficava me encorajando a lê-las, para que eu me lembrasse dos meus "verdadeiros sentimentos".
Eu não a culpava. Lorena não sabia por que eu queria esquecê-lo.
— Voltou pra São Paulo. — respondi.
— Tá com saudadinha? — caçoou ele, fazendo bico.
— Vá se ferrar, boboca.
— Belo insulto, agora estou ofendido.
Minha mãe chegou na sala no exato instante em que avancei no pescoço de Zaca.
— Val, querida, pode levar essas caixas para fora? — pediu ela, naquele tom usual de todas as mães, como quem diz "estou pedindo, mas isso é uma ordem".
— Mais caixas, mãe? — reclamei; aquelas deveriam ser as milésimas caixas que minha mãe pedira para eu carregar para fora na semana.
— Final de temporada, docinho, muito material de descarte. — ela explicou, enquanto empilhava muitas caixas diante de nós.
— O meio ambiente agradece. — retruquei, mal-humorada.
— Muito Lucas Avelar de sua parte. — Zaca me provocou, e eu dei um soco no braço dele sob o nariz torcido da minha mãe.
— Valéria! — censurou-me a minha mãe. Ergui as mãos, me fazendo de inocente.
Como eu não queria acabar de castigo no final de semana, porque Natan estaria na cidade para uma festa, saltei do sofá e peguei uma caixa enorme.
— Estou indo, estou indo.
Caminhei até os latões de lixo da extremidade da calçada, e posicionei as caixas ao lado dele. Era fim de tarde, a luz do sol estava demasiado alaranjada para os meus olhos... eu me lembro que tive de apertá-los para poder reconhecer um vulto à minha frente.
Eu belisquei meu próprio braço. Pensei estar sonhando.
Pisquei os olhos algumas vezes. Ele não desapareceu.
— Eu não acredito. — murmurei, enquanto o vulto, agora perfeitamente nítido em cada detalhe, exatamente como eu me lembrava. Exceto por seus braços e pescoço, agora cobertos por cicatrizes de queimaduras.
— Não adiante se beliscar, Vale. — disse João Jordan — Eu não vou desaparecer.
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Onde Há Fumaça
Novela Juvenil"Eu tinha que sair de Viveiro antes que alguém pudesse cogitar que houve um crime por trás do incêndio que deixou vítimas e feridos, e destruiu a minha antiga escola. Apesar de eu me odiar por ter feito a escolha de sair da cidade como uma covarde...