14.1 | ou ❝sem pensar duas vezes❞

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— O que você está fazendo?

Eu nem sabia que um sussurro poderia soar tão agudo, até me ouvir após empurrar o peito de Lucas para longe. Estava atordoada com Lucas Avelar me... beijando. Em armários de zelador. Com aqueles lábios. E do nada.

Seu beijo me revirou do avesso. Me pegou de dentro para fora, me inverteu. Era um beijo diferente do que tivemos no nosso projeto de romance no último verão, porque dessa vez, eu meio que queria mais que ele. Quando nos descolamos, eu estava ofegante e meu coração estava estralando no peito, e eu queria mais.

Minhas pernas bambeavam como se fosse o meu primeiro beijo.

Eu queria que ele me beijasse direito.

— Era o único jeito de você calar essa boca. — respondeu ele, levando as mãos à cabeça.

Ele parecia arrependido.

Meu coração errou uma batida quando eu percebi isso.

— Você ficou louco? — recuei alguns passos, em autopreservação — Sua namorada é minha melhor amiga!

— Se você não me escutar vou te beijar de novo.

Respirei algumas vezes, e ainda assim não consegui encará-lo. Uma parte de mim queria esganá-lo, e a outra...

Queria beijá-lo de novo.

Eu queria beijar o mentiroso do Lucas, porque ele era a única pessoa que dava sentido àquela cidade que eu tanto detestava, e à minha nova vida. Ele era o único elemento que pertencia àquela realidade e não existiria fora dela. Eu o queria, apesar dele.

E eu não sabia lidar com isso muito mais do que sabia lidar com beijos roubados.

— Lucas, eu nem sei quem você é. — foi o que consegui formular, frustrada. Eu estava tão, tão confusa.

— Valéria, me perdoa. — a voz dele subiu uma oitava — Quando eu te conheci, meu único objetivo era fugir de todas as coisas que eu escondi de você. Estava cansado de fingir que me importo com essas besteiras do tipo festas e garotas e futebol e popularidade, e eu sentia que podia ser eu mesmo com você. E eu pude, mas talvez você não tivesse me dado uma chance se você soubesse o que meu sobrenome significava. Cara, talvez eu não tivesse nem tentado falar com você se não estivesse longe de todo mundo que eu conheço, e vestindo o uniforme do Aquário naquele dia.

Por um minuto inteiro, eu acreditei nele.

— Val, eu falo sério. — ele olhou em meus olhos, com aqueles olhos oceânicos. Lucas tocou meu queixo com a ponta dos dedos, e eu senti que qualquer deslize poderia resultar em outro beijo.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Honestidade.

Aquilo era honestidade? Se fosse, eu não poderia retribuir.

— Pelo menos uma vez na minha vida, foi bom ter por perto alguém que não falasse comigo só pelo meu dinheiro, ou pelo meu pai, ou porque quer estar em tal festa ou tal evento. — ele continuou, com a voz embargada — Uma vez na minha vida, eu tive uma amiga de verdade. Não tira isso de mim, Valéria.

— Se somos amigos, por que me beijou agora? — desafiei-o, com a pergunta que estava latejando dentro da minha cabeça. Eu rejeitava completamente o uso da palavra amigos para nos descrever.

— Eu não sei.

Era tudo o que ele tinha para mim. Tudo que me ofereceria.

— Você não é meu amigo — expliquei — porque você mentiu sobre tudo o que você é. Eu gostava de você porque você era diferente de todas as pessoas que eu já havia conhecido. A pessoa que eu achava que conhecia não existe.

— Todo mundo tem segredos, sabe? Ninguém se mostra cem por cento como realmente é.

— Pois eu sim, Lucas! Desde a primeira vez que conversamos, eu fui a Val, só a Val. — lágrimas pesadas escorriam pelo meu rosto, e eu nem queria saber se meu lápis de olho preto estava borrando minhas bochechas — E quando eu vim para essa cidade, eu esperava encontrar um refúgio, e só achei seu teto de vidro.

Lucas examinou o meu rosto, soltando meu braço pela primeira vez desde que entramos naquele armário de vassouras. Ele ficou parado, diante de mim, nossa diferença de altura fazendo com que eu erguesse o queixo para olhar em seu rosto.

— Mentira. — ele crocitou, indiferente às minhas lágrimas.

Sequei meus olhos com a barra da camiseta.

— Como mentira?

— Você está mentindo quando diz que sempre foi você mesma, desde a primeira vez que conversamos.

Ah, Lucas, por favor.

Agora eu era a mentirosa?

— Você está dizendo que...

— Qual é a verdadeira razão de você ter se mudado para uma cidade que você odeia? — interrompeu Lucas em voz alta, e andou alguns passos na minha direção — Para viver com seu padrasto, que você tanto detestava? Para abrir mão dos seus amigos incríveis, do seu pai e do seu tio, e de todas as coisas sobre as quais falamos no último verão?

Ele tocou meu rosto de novo, limpando algumas lágrimas com os dedos.

Do que você está fugindo? — eu agarrei o pulso dele, sem forças para afastá-lo; eu queria seu toque, queria ser confortada por ele. Eu queria dizer tudo.

Mas eu não podia. Não sem torná-lo parte disso.

— Esse é o seu segredo. — prosseguiu Lucas. Eu podia sentir desprezo em sua voz agora, e ele apontava diretamente para o meu rosto me acusando. Seus braços caíram ao longo do corpo. — Eu não te julgo pelas partes da sua vida que você não quer me mostrar. Eu só esperava o mesmo de você.

Eu dei as costas para ele, e chutei porta do armário. Agora que ele não estava me tocando, eu tinha forças para sair.

— Não ouse me seguir, Avelar. — falei, ao me virar para olhar para Lucas.

Ouvi meu nome sendo evocado. Eu não queria, mas involuntariamente olhei por cima do ombro, e vi que quem estava me seguindo não era Lucas.

Não mesmo.

Onde Há FumaçaOnde histórias criam vida. Descubra agora