17.1 | ou ❝hora da verdade❞

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É claro que ele me beijou.

Porque se ele tivesse me dado um soco na cara ou arrancado as próprias roupas em público, serina menos insano. Muito menos constrangedor do que ele parar o jogo do qual ele é a estrela e subir a arquibancada e me beijar na frente de todo o corpo estudantil do colégio Leonardo da Vinci.

Eu mal senti o beijo de Lucas. Tratei de empurrá-lo e olhar para ele com descrença; pude ouvir as fofocas em burburinho à minha volta.

As pessoas viram Lorena ao meu lado poucos minutos antes. E eu devia ser a maior ordinária que toda a escola já tinha visto.

Atravessei o país para fugir de rumores e fofocas que poderiam arruinar a minha reputação, e agora Lucas Avelar e sua incapacidade de entender que eu não queria saber dele tinham arruinado tudo.

Isso eu não permitiria.

Fugir de uma cidade dá muito trabalho, e eu não estava disposta a fazer isso de novo.

Meus olhos perderam o foco e eu vi Natan parado alguns degraus abaixo de nós. Sua boca estava entreaberta e seus olhos estavam vazios. A confusão logo deu lugar a uma irritação que fez com que seu cenho se franzisse. Ele se virou e deu o fora.

Eu não sabia por que razão, mas eu tinha que ir até ele. Me explicar. Dar satisfações a ele. Era o que me parecia certo na hora, mesmo que não soubesse o que dizer. Natan, até então, era só o idiota do irmão gêmeo do idiota do Lucas, que ficava aparecendo nos lugares a torto e a direito sem motivo.

Mas eu senti o impulso de ir atrás dele. Eu não queria que mais uma pessoa no mundo pensasse que eu não valia nada. E eu sabia que Lucas ia ficar irritado se me visse correndo atrás de seu irmão, e não dele.

E quando voltei a encarar Lucas, sorrindo para mim, levantei o braço e lasquei o tapa mais dolorido e público que eu já tinha dado em alguém. Lucas virou o rosto e levou a mão até a região, que devia estar dolorida, a julgar pela dor que eu sentia na palma da minha mão.

Eu não esperei que ele se recuperasse. Saí correndo pela arquibancada, atropelando as pessoas e acompanhando Natan com os olhos enquanto ele saía pelo portão, de volta ao estacionamento.

— Natan!

Ele não olhou para trás, mas eu continuei gritando e correndo para alcançá-lo. Segui-o até o estacionamento, e ele acionou as chaves do carro para destravar as portas, mas não chegou a abri-las.

— Sabe o que mais me irrita, Corrêa? — ele se virou para mim, com a voz tão fria que poderia congelar Vitória e seu calor escaldante.

Havia alguma coisa errada com a minha garganta. Eu perdera a capacidade de emitir sons.

— Eu achava que você era diferente. — grunhiu ele, com desprezo. — Com toda essa pose de "eu odeio Vitória e as pessoas desse lugar".

Um doloroso lembrete da garota que fugiu de Viveiro.

A garota que eu realmente era.

— Por que não me disse o que estava havendo entre você e Lucas?

— Porque não está havendo nada! — eu embolava as palavras.

— Achei que você odiasse mentiras. Não é o que pareceu, já que você estava beijando o garoto que mais mentiu para você na frente de toda a sua escola.

— Ele simplesmente me beijou, o que você queria que eu fizesse? — explodi — Eu odeio mentiras sim, e isso não tem nada a ver com o que aconteceu na arquibancada agora.

— Eu não quero ouvir mais nada de você, Corrêa. — ele fez menção de se virar, mas eu fui mais rápida.

— Eu não quis que nada do que se passou nos últimos quinze minutos acontecesse. Por favor, você tem que acreditar em mim.

— Não te devo nada.

— Não deve? Vamos contabilizar o seu comportamento confuso, que tal?

Natan congelou e me encarou. Ele parecia surpreso.

— Primeiro você me salva de um porre na sua casa, mesmo não tendo nada a ver com isso. Aparece em todos os lugares que eu estou desde então, incluindo a festa em que você me leva para um telhado e me deixa amanhecer lá para perceber que você foi embora. Tudo isso em plena consciência de que eu detesto joguinhos, porque você ouviu a minha discussão com o seu irmão. Você chegou a se passar por Lucas para invadir a minha escola e assistir a uma aula comigo. Aí assiste a um beijo entre Lucas e eu e sai correndo como o namorado ciumento. Não mereço mesmo, realmente, uma chance de ser ouvida?

— Quer saber mesmo a verdade?

— De preferência.

— Olha, eu gostava de você. Independente do que está acontecendo entre você e Lucas. Eu gostava de você, e fiz de tudo para que você tirasse a sua cabeça do seu ódio cego pelo meu irmão e prestasse atenção em mim. Você olha para mim, e tudo o que você consegue ver é o Lucas. E ele é a última pessoa do mundo com quem você quer se envolver, o que faz com que eu esteja apaixonado pela única pessoa que não quer nada de mim.

Eu estava em choque.

— Eu estou apaixonado por você. — ele repetiu, vendo que eu estava pasma — Eu estava disposto a fazer mudanças por você. Meus pais me matariam, mas eu mandaria São Paulo inteira para o inferno, se houvesse a garantia de que eu poderia passar cinco minutos de cada dia com você.

— Você não sabe o que está dizendo, Avelar.

— Como eu queria que você estivesse certa. — fez ele, pesaroso.

— Eu não acredito em você.

— Como se fizesse diferença.

Natan entrou no carro, disparando a pneus cantantes pela avenida. O ruído abafava o som do meu coração sendo partido novamente.

E, dessa vez, sem que eu percebesse.

Antes que eu pudesse soltar a respiração, Lorena Dante brotou diante de mim, piscando furiosamente os cílios postiços.

— Você é a maior ordinária que já pisou em solo capixaba.

Onde Há FumaçaOnde histórias criam vida. Descubra agora