Depois do que me pareceram sete milênios, finalmente me deixaram entrar no quarto para onde moveram Zaca depois da lavagem estomacal. Os médicos tinham explicado que ele tinha usado as pílulas para dormir da minha mãe e tomou um monte de uísque do meu padrasto.
Eu o abracei por uns bons vinte minutos sem dizer nada. Zaca não tinha força nos braços para retribuir o meu abraço, mas ele estava sorrindo por debaixo do tubo em seu nariz.
Chorei lágrimas pesadas, mornas, que pareciam nunca ter fim. Então, confessei a ele que eu já sabia sobre Andressa e Mário, e que tinha usado essa informação como chantagem para Mário não revelasse a Natan sobre meu beijo com Lucas na enseada. E para que ele não surtasse e acabasse com a peça, que era tão importante para ele. Dei a ênfase adequada à minha motivação egoísta. Zaca não merecia mais mentiras.
— Você me perdoa?
— É claro. — disse ele, fraco, mas bem-humorado — Essa é a primeira vez que você escolhe dizer a verdade, em vez de usar mentiras para ocultar as besteiras que você faz. Eu estou lisonjeado.
— Vou chamar o médico. Você já voltou ao normal, pode sair daqui agora. — caçoei, abraçando-o novamente, sem conseguir acreditar que alguém pudesse ser tão puro de coração.
— Além do mais, a culpa não é sua.
A princípio, eu achei que ele estava falando de Andressa e Mário. Depois de algum tempo olhando para o rosto abatido de Zaca, eu entendi o que ele quis dizer: não era culpa minha que ele tivesse... feito o que fez.
— Depressão. — indicou ele, percebendo a minha dificuldade em continuar aquela conversa.
— E você já sabia há algum tempo...
— Sim. — confirmou ele.
— Por que você nunca disse nada? — eu não podia deixar de perguntar.
— Eu estava tentando ser um bom amigo. Um bom irmão.
Ele era bom demais para ser de verdade. Estava lidando com um inferno pessoal, o mal do século, e tudo em que conseguia pensar era em ser bom para os outros.
— Com isso, você não permitiu que eu fosse uma boa amiga. Uma boa irmã. — devolvi, inundada em remorso. Coloquei minha mão sobre a mão dele.
— Você já tinha problemas demais, Val.
— Olha só para você. Eu é que tenho problemas demais? — ele não pode conter a gargalhada, embora o tubo que passava pelo seu nariz o machucasse enquanto ele ria.
— Obrigado por ser a única pessoa capaz de fazer uma piada nessa hora. — ele puxou minha mão até os lábios e beijou-a.
— Eu te amo.
— Eu te amo também. — ele apertou meus dedos, algum pensamento passando por seus olhos sem que ele decidisse compartilhar; então, mudou de assunto: — Fiquei sabendo que você botou o Mário Ney para correr. Essa é a minha garota.
— Quer ver umas fotos? — tirei o celular do bolso e estendi para ele, mostrando as fotos da peça que Ava me enviou, mas sem mostrar as quatrocentas e setenta e duas mensagens que ela me mandava a cada vinte minutos, querendo saber se ele já estava melhor — Até que não foi um desastre completo.
Ele passou foto por foto, cronologicamente, até chegar à minha cena do beijo com Lucas. Visualizando aquela imagem como espectadora e não protagonista, eu entendi o que todos queriam dizer.
Estava mesmo óbvio.
— Você devia decidir logo o que sente pelo Lucas, Valéria. — bufou Zaca, puxando seus lençóis brancos para se proteger do ar-condicionado gélido.
— Eu não sei o que eu sinto pelo Lucas.
Isso não era nem um pouco verdade, eu sabia exatamente como Lucas me fazia sentir. A questão era se eu permitiria que isso continuasse ou não.
— Você sabe o que sente pelo Natan?
— Eu sabia. Agora não mais.
— Então, eu espero que não seja tarde. — Zaca deu uma piscadinha. Eu não entendi.
— Tarde para quê?
— Para ir atrás do Lucas.
Como se eu fosse me prestar a esse papel.
— Não seja ridículo, eu não vou deixar você.
— Eu estou bem. Lucas Avelar, por outro lado, deve estar se torturando mentalmente por ter te beijado daquele jeito na frente de todo mundo. De novo. —riu-se, imaginando Lucas em um momento digno de Romeu, ironicamente — Quer dizer, você saiu correndo depois da peça.
— Eu nem sei onde ele está. — gaguejei, mas a verdade é que eu sabia, sim. No fundo, eu sabia.
Conhecendo Lucas Avelar, ele só podia estar em um lugar no mundo.
Me esperando.
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Onde Há Fumaça
Novela Juvenil"Eu tinha que sair de Viveiro antes que alguém pudesse cogitar que houve um crime por trás do incêndio que deixou vítimas e feridos, e destruiu a minha antiga escola. Apesar de eu me odiar por ter feito a escolha de sair da cidade como uma covarde...