Capítulo 6: 1871

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1871.

A data me pegou desprevenida. Meus olhos ardiam sem um motivo aparente, minhas mãos tremiam como se estivesse frio, meu coração palpitava como se eu estivesse correndo.

1871.

As primeiras lembranças foram das aulas de história, dos meus blogs, do meu estudo diário para entender o Brasil preconceituoso.

1871.

O Brasil ainda vive a escravidão.

Segundo reinado.

Imperador do Brasil: D. Pedro II.

O Brasil felizmente já era independente graças a D. Pedro I.

1844: decretação da Tarifa Alves Branco.

O que mais? Não consigo me lembrar...

Ah, claro, o mais importante.

1850: Lei Eusébio de Queiroz: fim do tráfico de escravos para o Brasil.

E a Guerra do Paraguai? Pensa Olívia! De certo ela deve ter acabado, pelo menos isso.

Agora tudo faz sentindo. A charrete, as roupas, os móveis, a quantidade de negros. Oh meu Deus, eu sou negra. Oh meu Deus, me proteja. Ai que horror. E agora, Olívia?

Fecha os olhos. Se belisca. Se vira. É um sonho. Acorda Olívia.

- VOCÊ ESTÁ SURDA?- gritou uma voz distante- DEVOLVA MINHA CARTA, NEGRA ABUSADA!

Que carta? O que está acontecendo? Alguém me ajuda. Socorro.

Abri os olhos e me joguei de joelhos no chão. Senti o mundo se mover por um instante. Não, espera, alguém estava me sacudindo. Olhei confusa para cima e visualizei um espesso bigode.

- Pegue a carta ou ganhará cem chibatadas.

A frase surtiu um efeito sobre mim como se fosse a primeira das cem chibatadas. Identifiquei o Sr. Coimbra como o dono do bigode e instantaneamente peguei a carta, entregando-a em seguida e pedindo desculpas. Agora que eu compreendia a minha situação eu deveria obedecê-lo, sabia que ele poderia me matar em qualquer deslize da minha parte. Depois eu arrumaria alguma solução, quando eu finalmente me encontrasse sozinha com meus pensamentos, espero que logo.

- Senhor, eu fiquei assustada com a data. Me desculpa- pedi, levantando-me- Não sabia que havia se passado tanto tempo...

- Olha aqui- ele segurou minhas bochechas com força. Que mania chata- Eu estou te vendendo para ser dama de companhia. Entendeu? Mas pelo seu comportamento inapropriado parece que prefere trabalhar limpando a latrina!

- Não senhor. Me desculpe, de verdade- eu supliquei.

- Assim espero. Tomara que fique assim educada quando chegarmos lá- ele disse, virando-se de costas e caminhando em direção a porta- Venha Matias, vamos para a Fazenda Canto do Sabiá.

O negro que acompanhava o Sr. Coimbra quando fui sequestrada apareceu na sala. Eu não o tinha visto antes por aqui. Era bom ver um rosto conhecido e o único a qual me agradara. Sorri quando seus olhos encontraram os meus e ele sorriu de volta, seguindo o seu patrão. Ele era jovem, deveria ser mais novo que eu alguns anos, talvez tivesse nascido na fazenda, o que me deixou extremamente triste e preocupada.

Era isso, eu iria conhecer de perto a escravidão no Brasil. Mas não por muito tempo. Eu fugiria, disso eu tinha certeza.

Três horas a cavalo, era a distância da fazenda do Sr. Coimbra a fazenda do meu futuro senhor. Barão, na verdade. Durante todo o caminho escutei instruções claras de como agir no meu novo lar. João Macedo é o nome do Barão. Ana Maria o nome da mãe. Amélia o nome da filha de quinze anos que eu seria obrigada a cuidar.

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