SEM REVISÃO
A senzala encontrava-se fria naquela madrugada, sem o calor costumeiro de todos os dias. Nem mesmo o amontoado de escravos aquecia o local. Todos estavam lá em torno de Cora, alguns olhares preocupados e outros indiferentes. Apenas uma pele branca e ofuscante também fazia parte do grupo, Álvaro Coimbra tivera a decência de manter-se afastado, encostado na parede ao fundo. Ele fora gentil, além de me salvar e salvar Cora, ele afastara o feitor e consequentemente também me afastara de um castigo eminente.
Eu não entendia ao certo porque toda aquela preocupação vinda de Álvaro. Meu primeiro e desesperado palpite foi a esperança de que seus sentimentos por mim eram realmente reais. Meu segundo questionamento foi a dúvida de que se Cora estivesse sozinha ele não seria tão heroico como foi. Mas lá estava Álvaro, esperando a moça acordar, mesmo com meu bom estado de saúde. Acho que nunca terei certeza sobre suas reais intenções.
Eu passava um pano molhado sobre seus ferimentos enquanto Dante me atormentava com meus próprios machucados. Por fim, deixei uma mulher cuidando de Cora e fui trocar uma palavrinha com Álvaro.
—Bem— eu disse, apoiando-me na parede ao seu lado— Obrigada, se você não estivesse lá o pior poderia ter acontecido, eu...
— Não precisa disso— ele afirmou sem me olhar, apenas encarando o amontoado de pessoas— Espero que ela acorde logo, seria uma tragédia a sua morte.
— Ela teve um ferimento na cabeça, mas não foi grave. Ela está desmaiada, mas vai acordar em breve, posso lhe garantir.
— Eu sei que pode, sua inteligência é admirável.
Permanecemos calados até que o silêncio tornou-se constrangedor.
— O que aconteceu com o homem? — perguntei, sem conter a curiosidade, aquela dúvida estava me atormentando dês da hora que saímos de perto do riacho.
— Eu o mantive distante.
— Esta resposta vaga não me agrada, sabe disso.
— Ele não está morto, Olívia, eu não teria coragem de matar o homem, apenas apliquei-lhe uma boa surra e ele saiu correndo igual a uma dama para a Casa Grande. Se ele me dedurar pelos ferimentos que lhe causei, contarei o acontecimento do riacho.
— Ou seja, por enquanto ficará sob o tapete— bufei indignada.
— O que você quer que eu faça? Olívia, esta fazenda não é minha.
— Nem na sua fazenda você tem um mínimo de moral.
Ele me encarou, seus olhos faiscavam raiva, mas pelo menos ele estava me olhando.
— Eu nunca quis que você pensasse aquelas coisas que você disse sobre mim— ele suspirou— Eu queria... que as coisas acontecessem com calma.
— Se a gente estivesse em outra época, talvez— ironizei.
Escutei um barulho vindo da cama de palhas, ela acordara, finalmente. Dante me chamou, mas eu o ignorei por um momento, precisava finalizar aquela conversa.
— Preciso ir, pode voltar para a ceia, devem estar te esperando— afirmei.
— Eu fui passear com alguns amigos para ver as redondezas— ele contou— Alguns deles têm o costume de cortejar as moças brancas, outros preferem violentar as escravas, o que eu sempre fui contra. Meu pai fazia parte deste segundo grupo, mesmo casado com minha mãe. Quando Fábio saiu de perto da gente, eu já imaginei o que poderia acontecer e fui atrás dele, fiquei preocupado ao pensar que ele poderia estar com você, é claro. Mas além disso, eu me preocupei com as outras moças.
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Negra
Fiction HistoriqueOlívia Ambrose Barros é uma estudante de Arquitetura que enfrenta com garra o dia a dia como qualquer outra garota de vinte e dois anos. Mas no dia 20 de Julho o inesperado acontece: ela volta no tempo e para no ano de 1871. E o maior problema nem f...