Ele ficou sentado durante um bom tempo enquanto escrevia cartas e preenchia papéis. Eu permaneci debruçada no parapeito da janela, deslumbrada com o exterior daquela fazenda, como se fosse a primeira vez que eu estivesse olhando toda aquela cena. Um pássaro cantava absorto em sua solidão na bananeira localizada ali perto, fechei os olhos para sentir sua energia. Aquele som tão mágico e tão raro no século XXI... também aproveitei a oportunidade para inspirar profundamente todo aquele aroma, da relva aparada, da umidade que a chuva deixara ali durante a noite. Lembrei-me de Brasília, da fumaça dos carros, do barulho infernal de sirenes e buzinas pela manhã, despertando a todos; do céu sem estrelas, a realidade era outra, a tecnologia tomou conta do mundo de maneira tão rápida que quando eu percebi as pessoas já estavam mergulhadas em seus Iphones, sem sentir aquilo que realmente importa.
– Gosta do que vê?– Álvaro cochichou no meu ouvido, eu não o ouvira se aproximar.
– Gostar é uma palavra com pouco significado diante do que estou sentindo neste momento– sorri, abraçando-o– Você tem terras maravilhosas aqui, Álvaro, precisa cuidar bem delas.
– Eu cuidarei, pode ter certeza.
– Sei que sim. Agora eu sei.
Ele inclinou-se para depositar um beijo molhado nos meus lábios.
– Venha aqui– ele me puxou para fora da sua sala de reuniões, dirigindo-me a cozinha– Tenho um presente para você e depois cozinharei para nós.
– Um presente?!– perguntei surpresa.
– Assim que recebi a carta do Barão Macedo eu fui na vila comprar algo que te agradasse, é apenas uma lembrança, esperto que goste.
– Não precisava...
– Deixe disso, apenas abra– ele estendeu um embrulho cinza cintilante para minhas mãos.
Enquanto desamarra o laço, imaginei Álvaro comprando o embrulho, escolhendo esta cor única com todo o cuidado para me agradar. Imaginei ele sentado em sua poltrona e desajeitadamente amarrando o laço vermelho, já que aquele não parecia um trabalho profissional de uma vendedora habilidosa. Agradeci com prazer.
Tentei imaginar Gabriel, meu ex namorado que na minha cabeça eu amara profundamente, fazendo o mesmo, algo considerado tão delicado e familiar, mas não consegui projetar nenhuma imagem. Gabriel sempre me presenteava com roupas de marca, perfumes importados que apenas ele gostava do cheiro e eu era obrigada a usar. Seus presentes poderiam ser entregues a qualquer um, nunca tinham uma particularidade, eram extravagantes e com pouco sentimento.
Puxei do pacote um lenço de seda, verde escuro com uma estampa delicada floral branca. Manuseei o objeto com cuidado entre meus dedos, sentindo a maciez da seda pura. Um cartão encontrava-se localizado no fundo do embrulho, contendo apenas uma frase.
"Todos os dias em que a senhorita usar este lenço para cabelo, lembrará de nós dois. Amo-te, Álvaro Coimbra"
Encarei as palavras por vários segundos, relendo mais duas vezes para garantir que elas foram escritas. Para qualquer pessoa, aquela frase poderia ser seca e sem demonstração de afeto, mas eu sabia que ela significava mais que qualquer coisa. De uma maneira tão simples, quase disfarçada, ele disse pela primeira vez que me ama, deixando-me emocionada e enchendo-me de felicidade.
– Posso te pedir para dizer em voz alta?– perguntei olhando diretamente nas suas íris azuis.
– Você pode pedir qualquer coisa, Srta. Ambrose– ele segurou meu rosto com carinho– Amo-te. Nunca fui capaz de admitir isto para mim mesmo, achava um absurdo tal sentimento, mas quando escrevi este carão as palavras simplesmente saíram, eu olhei para o papel e lá estavam elas, sem qualquer autorização. Foi tão repentinamente, mas eu sabia naquele momento que era um sentimento verdadeiro, que agora não tinha como escapar. Eu a amo, estou apaixonado por cada detalhe seu, um sentimento que nunca tive a oportunidade de experimentar. Apesar do medo de sentir tudo isso, tenha certeza que ele é real.
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Negra
Historical FictionOlívia Ambrose Barros é uma estudante de Arquitetura que enfrenta com garra o dia a dia como qualquer outra garota de vinte e dois anos. Mas no dia 20 de Julho o inesperado acontece: ela volta no tempo e para no ano de 1871. E o maior problema nem f...