Mil segredos

216 15 0
                                    

Camila:

Quando a tarde da terça-feira começava, eu saí do trabalho para ver Sofia. Como sempre mesmo, porém só algumas horas mais cedo. Minha irmã havia passado muito mal na segunda-feira e isso foi motivo para que meus tios me dispensassem da loja... disseram que não teria problema, pois durante o decorrer da semana o estabelecimento não chega a lotar de clientes e, além do mais, era importante tanto para mim quanto para Sofi eu estar no hospital em situações como esta.

Nesta altura do campeonato, meus pais e eu já estávamos por dentro de tudo o que houvera com Sofia. Foi mesmo mais um efeito colateral, só que dos mais fortes. Ela, depois de terminar de chorar naquele dia, explicou que sentiu muitas náuseas e dores e tonturas, disse estar sentindo-se fraquinha demais, tanto que teve vontade de nunca mais brincar e nem se levantar da cama... e essas foram suas próprias palavras. Mas a fiz lembrar de que toda a dor tem um alívio no final e de que logo ela estaria bem de novo. Ontem saímos do hospital muito mais tarde do que o comum. Meus pais estavam comigo, é claro, portanto, saímos. O doutor Owen, deve ser o mais velho dos oncologistas, clarificou-nos sobre o caso de Sofi. Ele falou sobre tudo o que já sabemos de cor, mas prestamos atenção, como sempre.

- A quimioterapia ajuda a combater as células cancerígenas tanto quanto as células boas, por isso o paciente sofre com esses tantos efeitos, que variam de pessoa. Uns mais fortes que os outros isso é comum. - Lembro-me dele dizendo isso ao meu pai na sala de espera do hospital, mas como eu estava perto o suficiente, pude ouvi. - Os fármacos anti-cancerígenos afetam, essencialmente, as células que se dividem com rapidez, como as células capilares ou do aparelho digestivo, por exemplo. Isso explica o caso de Sofia, que sofreu ânsias e dores... também afeta à maioria dos doentes com a queda dos cabelos e pelos...

Hoje, quando eu cheguei no hospital, o próprio doutor Owen passou por mim e parou antes de seguir caminho. Contou que minha irmã acordou bem melhor do que ontem e também que eu não precisava mais me preocupar, já que notou que na noite anterior eu havia deixado o hospital com meus pais bastante aflita e querendo saber se estava tudo bem. Por mais que tentem assegurar-nos, não é suficiente quando sabemos que há alguém que amamos num estado ruim. O doutor continuou seu trajeto, me deixando sozinha outra vez. Neste meio tempo pensei, assim como também pensei nesta madrugada, que eu não teria tido uma noite de sono tão mal dormida feito a que tive hoje se Lauren estivesse aqui para dizer se Sofia esteve bem ou se não. Sabe-se lá onde ela está, mas se fosse no hospital ou até mesmo em casa, daria um jeito de pegar informações e passa-las para mim. Ela sempre fez isso...

Outra coisa que notei foi que, desde nossa última troca de palavras (ou palavrões), no domingo, eu tenho pensado nela. Não a vejo há dois dias, não sei dela ao mesmo tempo. Confesso que isso me deixou furiosa, com uma baita vontade de socar a cara dela ou mais do que isso, porém eu queria demais saber por onde anda. Mas, levando em consideração de que Lauren sequer ligou para mim durante esses dias, acredito que não se importa com o que estou fazendo e muito menos de como ela própria me deixou. Não sei se a encontraria aqui, mas lembro-me da nossa última e ridícula conversa por telefone, onde me contou que estaria de volta a Miami hoje, na terça.

Irônico ou não, no momento em que subi até a sala onde soube que Sofia estava, encontrei Lauren lá dentro, com seu jaleco branco feito nuvem limpa e cabelos escuros presos num coque apertado por dois palitos, conversando com minha irmã. A pequena ria fraco, estava deitada na maca e sua aparência era de quem vomitou tanto que nem ácido sobrara no estomago. A princípio, escolhi observar as duas... eu nem tinha cara para ir até lá e olhar Lauren. Dedilhei o batente da grande porta e usei uns segundos para reunir coragem e entrar de vez ali dentro. Sofia logo me viu e soltou sua exclamação feliz, mesmo que sem a altura habitual, aquela que sempre me arranca um melhor sorriso. Ela tentou se por sentada na cama com pressa, mas sozinha não conseguiu, Lauren a ajudou. A pequena agarrou-me a cintura e afundou o rosto na minha barriga, dizendo algo num tom de completo entusiasmo, era uma grande novidade que não pude entender nem meia palavra.

Live And Let DieOnde histórias criam vida. Descubra agora