Bonita, mas metida

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Lauren:

Cheguei no hospital um pouco antes do meio dia. Tudo estava em ordem, as crianças não apresentavam problemas ou algo do tipo. As coisas corriam perfeitamente bem e assim espero que seja o resto dia. Diferente de ontem, eu estava melhor esta manhã. Hoje é sexta-feira e, neste dia da semana, o hospital costuma receber a visita de alguns voluntários que são mais conhecidos como "doutores da alegria". É uma verdadeira festa quando essa galera vem para cá, as crianças adoram! Confesso que os médicos também; é muito bom ouvir gargalhadas desses pequenos pacientes de vez em quando... O projeto se chama "Um Sorriso Contra O Câncer" e trás ao hospital uma equipe formada por quatorze voluntários, todos com o único objetivo de trazer alegria às crianças e adolescentes; eles se dividem em grupos, quatro dos doutores ficam na brinquedoteca (que é onde eu estou) e o restante fica em outras salas espalhadas pelo hospital. A cada visita é uma atividade nova, e hoje, por exemplo, vão trabalhar com música.

- Alguém aí, por acaso, quer ouvir o mais belo som que sai desse violão aqui? - Perguntou Harry com sua voz aveludada, porém meio fanha por conta do nariz de palhaço que ele usava. Harry é quem organiza a visita dos doutores ao hospital.

- Sim! - Um coral se formou com a junção das vozes alegres.

- Tio Harry, - Disse Sofia, nossa paciente mais recente. - você pode cantar uma música do Ed Sheeran?

- Claro! Mas só se você cantar comigo... eu tenho um pouquinho de vergonha de vez em quando... - As vezes me escapa um sorriso, as piadinhas bobas e o jeito de Harry são engraçados.

E a melodia se fez com as cordas do violão. As crianças um pouco mais velhas cantavam todas juntas, já as mais novas mal entendiam, apenas brincavam e exploravam o baú de brinquedos... Harry, ele tem uma voz tão suave ao cantar. É o doutor da alegria mais atraente que conheço; Alto, pele clara e cabelo escuro com cachos, lábios finos e vermelhinhos... fora seus olhos castanhos mel. Ele olhou para mim com um sorriso que eu retribuí, e então se levantou do meio da roda de pessoas e caminhou até mim. Girando pela sala com seu violão.

- Canta! - Ele disse num sussurro. Eu neguei, Harry continuou, desta vez cantando diretamente para mim: - And it's so hard to say it but I've been here before, now I'll surrender up my heart and swap it for yours.

Arqueei a sobrancelha e neguei com a cabeça, se todos os homens fossem bons com cantadas assim como Harry é, não haveria ninguém sozinho no mundo. Mesmo achando sua atitude meio tosca vulgo romântica, ainda havia um sorriso bobo no meu rosto. Ele se virou para voltar a cantar com as crianças. Eu teria ficado ali por mais alguns minutos, mas Normani apareceu na brinquedoteca dizendo que estavam me chamando na recepção. Precisei ir.

No final, nada mais era do que uma reunião do hospital com todos os chefes de equipes, tiveram que marcar sem avisar. Durou quase três horas, longas e cansativas três horas. Discutimos sobre os casos dos pacientes. Sobre Beatrice, uma adolescente de dezesseis anos que faleceu há três dias atrás e sobre precisar rever todas as dosagens de drogas para a quimioterapia; uma pilha enorme de exames, haja trabalho... Além disso, falamos também sobre a festa do quatro de julho que sempre comemoramos no hospital. Falta meses ainda, só que o diretor do hospital é um cara meio adiantado demais. Eu não estive presente em todas essas festas, mas este ano acho que estarei.

Saí para almoçar tarde, voltei às cinco e a irmã de Sofia estava lá... Camila. Acho que esse deve ser o nome dela.

- Boa tarde. - Eu disse. Ela se virou meio assustada.

- Bom di... tarde! Boa tarde.

- Doutora Lauren! - Sofia chamou, - Olha só o que a Kaki me deu agorinha! - Dei uma rápida olhada no livro que ela segurava.

- Que legal, Sofia. - Falei apenas e tive que sair depressa quando lembrei que precisava checar algumas dosagens na sala de quimioterapia, umas que precisavam ser mudadas com urgência.

Aiden estava lá, deitado na poltrona branca, apenas ele estava acordado. Outras pessoas também faziam a químio. Aiden tinha os olhos caídos e a pele amarelada, mas conseguiu abrir um leve sorriso quando me viu entrar na sala.

- Oi. - Ele disse.

- Oi, Aiden.

- A senhora está bonita hoje. - Sua voz saiu como um sussurro. Fechei os olhos, eu não posso me apegar a ele... por mais que já esteja.

- Obrigada.

- Estava bonita ontem também.

Caminhei até seu leito e toquei seu nariz, ele franziu.

- Você é um anjo, Aiden.

Ele fechou os olhos e logo dormiu. Sua dosagem estava certa. Chequei as demais e a de todos estava também. Começo com os exames na segunda, um por um. Acho que agora tenho umas horinhas livres aqui.

. . .

Só de pensar que amanhã eu estou de folga, fico emocionada!

Oito da noite. Passei na sala das crianças para ver se tudo estava bem para poder ir embora.

- Minha irmã disse que te acha bonitona! - Escutei essa frase assim que entrei na sala. Isso me pegou de surpresa e pude ouvir algumas risadas.

- Como?!

- É... - Sofia concluiu. - Ela disse para eu nem sonhar em contar, mas acho que não tem problema, né?

- Acho que...

- Ah! - Ela me interrompeu - Kaki disse que você é bonitona mas é um pouco metida... eu não acho a senhora metida.

- Kaki é a sua irmã, certo? - Perguntei.

- Aham. Kaki é o apelido da Camila. - Falou. Eu fiquei em silêncio tentando processar aquela frase. "Bonita e metida", isso é sério?!

- Pois diga a sua irmã que eu não sou metida coisinha nenhuma e ela sim é! - As crianças riram. Eu não estava falando sério, mas também não estava brincando.

- Kaki é mais bonita do que metida, doutora...

- Verdade! - Gritou um menino - A irmã da Sofi é uma gata! - A sala foi preenchida com o som das diversas risadas, menos a de Sofia.

- Fica quieto! - Sofia rebateu para o garoto com um tom de autoridade - Minha irmã não é para o seu bico, Matt! - Desta vez eu precisei rir.

- Está bem, crianças. Já está na hora de vocês dormirem e...

- A senhora não acha a irmã da Sofi bonita? - Matt, mais uma vez. Olhei para ele serrando os olhos. As crianças de hoje realmente não têm mais medo de perguntar, seja quem for o perguntado, seja qual for a pergunta.

- Eu acho a Kaki... digo, a Camila muito bonita sim, está bem? Agora eu preciso ir, até mais, seus pentelhos!

- Tchau, doutora Lauren! - Fez-se o coral.

E, acredito que esta foi a primeira vez neste mês que eu saí daquele hospital com um sorriso no rosto. Quase chegando no estacionamento, meus passos foram interrompidos e então ouvi um voz que gosto:

- Lauren? - O som aveludado atrás de mim. - Vim te buscar. Achei que seria legal nós dois, quem sabe, ir tomar um chopp ou sei lá...

- Oi, Harry!

- ...E então? Você quer ir?

- Hm... não sei, acabei de sair. Estou com essas roupas do hospital ainda e...

- Isso não é problema! - Harry pegou no bolço o nariz de palhaço e colocou, me fazendo sorrir. - Eu também estou com minhas roupas do hospital.

Amanhã estou de folga e acho que mereço um descanso. Aceitei o convite de Harry, por ele ser uma pessoa que me faz bem e também me atrai... fora isso, eu tenho certeza de que aquela noite seria ótima. Guardei o jaleco na bolsa e saímos, rumo à qualquer lugar da linda Miami.

Live And Let DieOnde histórias criam vida. Descubra agora