IV - A quina do portal...
A porta da frente da casa estava trancada e a chave não foi encontrada nas primeiras buscas. Os policiais se aproximaram, mas nenhum deles pôs a mão na maçaneta, esperavam a autoridade pericial autorizar. O perito examinava o portal-livre na passagem da sala para o corredor. Abaixou-se com dificuldades devido ao volume da barriga e examinou algum vestígio na quina onde ficava o batente. Travejane aproximou da maçaneta com a lupa. Notou a mesma ter sido limpa com pano e na parte de dentro do vinco de encaixar a porta havia um risco. Pareceu-lhe existir ali uma sombra de sangue e mais acima, na parte metálica da fechadura uma digital impregnada no niquelado da peça.
O perito continuou entretido no seu exame. O delegado pediu-lhe para observar os pontos encontrados. Depois reexaminaria a porta da sala. Olhou do outro lado da porta notando uma marca de limpeza a certa altura do chão do corredor como se alguém tivesse limpado um trecho d'uns vinte centímetros parede acima. Aquilo era compatível com a altura dum corpo sendo arrastado se esfregando na parede. A maçaneta questionada foi examinada pelo perito e colhido seus vestígios. Como não encontraram a chave, foi forçada pelo lado de dentro e estanharam a língua da fechadura estar com apenas uma volta do mecanismo, cedendo com facilidade. Na dobra do portal de ferro, estava muito visível a marca de sangue dentro da quina. O chão do terreiro era liso, mas aparecia uma estrada duns oitenta centímetros, com terra solta direcionado para a beira do muro. O material foi jogado no chão para encobrir rastros que não podiam ficar à mostra.
Ao entrar no quintal, não tinham notado aquela diferença de terra solta e Travejane passou o pé por cima empurrando a terra para o lado. Descobriu marcas de sangue coagulado no chão duro. Quem cometeu o crime levou um ou mais corpos para a beira do muro. Lá existia um afofado de terras compatível com o tamanho duma cova-rasa. Travejane mandou Joca voltar ao quarto e pegar a pá e uma enxada para usarem no lugar parecido com uma sepultura. Um dos curiosos avisou duma enxada encostada no muro aos fundos e com vestígios de ter sido lavada recentemente. Reinaldo saiu para ir lá ver acompanhado do informante indo mais para baixo em cima dum monte de madeira podre, nas sombras dum abacateiro. Confirmando a presença da enxada perguntou se podia por a mão nela. A resposta veio negativa com o delegado se dirigindo ao local. Realmente a enxada estava limpinha contrastando com o estado geral das outras ferramentas. O perito foi novamente chamado e a examinou.
O cabo da enxada era bastante velho com muitas rachaduras no tecido da madeira e cheio de ranhuras. Mesmo tendo sido lavado, existiam vestígios de sangue nos locais onde foi empunhada. Os restos de sangue foram coletados, mas não encontraram nenhuma impressão digital. O suporte de madeira era incompatível para uma coleta segura. A enxada estava em bom estado de uso e foi aproveitada para fazer a exploração da cova encontrada. As primeiras enxadadas encontraram terra fofa, mas cavando menos de vinte centímetros vrou terra dura. Perceberam daquilo ser apenas um despiste deixado pelo criminoso. Ali não foi cavado em fundura suficiente para sepultar ninguém. O corpo teria sido levado para fora do terreno da casa? Para onde? Teria sido usado algum veiculo? Um dos policiais saiu no portão da rua examinando o terreno. Não encontrou vestígios compatíveis com aqueles de arrastamento do corpo.
Travejane foi conversar com um dos vizinhos, olhando curioso por cima do muro lindeiro, espichava o pescoço e parecia interessado em falar alguma coisa. Perguntou se nas residências tinha fossa ou rede de esgoto. Fazia mais ou menos seis meses a empresa de saneamento passou a rede de esgoto e obrigou todo mundo a pagar pelo serviço, vindo uma taxa na própria conta de água, não importando quem estivesse usando ou não. Queria saber se isto era direito e onde poderia reclamar. O delegado deu uma aula sobre direito administrativo e civil para aquela pessoa, informando tratar-se dum equipamento público de primeira necessidade e que todos eram obrigados a contribuir para ficar mais barato para todos. Não havia como escapar, inclusive se não usasse o serviço oferecido pela empresa publica teria de pagar do mesmo jeito. Possivelmente viria um fiscal, orientando todo mundo e mandando lacrar as cisternas e fossas de quem ainda não tivesse feito. Obteve a informação que precisava.
Cada residência recebeu uma caixa de visita com ligação para o ramal principal. A construção deste ramal público foi feita de acordo com a indicação do morador, podendo estar em qualquer parte da frente livre do terreno e não tinha noção onde poderia estar instalada a caixa de visita daquela residência. A sua ficava próximo do padrão de energia elétrica e apontou para o local. Pela configuração das terras reviradas na beira do muro, a fossa poderia estar em qualquer ponto dos doze metros de frente do terreno. Existia uma tampa de concreto com diâmetro de setenta centímetros sob a terra nalgum lugar por ali. Reinaldo voltou ao quarto onde estava o corpo de Júlio e pegou uma haste de aço conhecida como labanca. Começou a bater com ela pela beirada do muro, à procura desta tampa de concreto.
A ferramenta era bastante pesada e pontiaguda, entrando com facilidade na terra. Os outros ficaram observando aquele trabalho pesado e em menos de dez minutos o policial pediu arrego, quase batendo pino e arfante, mostrando uma das mãos com calos d'água. Joca continuou o trabalho e na terceira pancada esbarrou com a tampa procurada. O policial desistente ficou desolado como se tivesse nadado um mar inteiro e deixado se afogar na praia. Tinha mais ou menos dois palmos de terra sobre a tampa e foi removida com a enxada. Era uma tampa redonda com vestígios de ser concreto novo, com menos de ano. Removida a terra solta, avistaram-na e conferiram as informações passadas pelo vizinho. Enquanto trabalhavam para retirar a tampa, o delegado disparou o telefone celular para o Corpo de Bombeiros, pedindo ajuda para retirar um corpo de cisterna. Ainda não tinha visto o interior da fossa, mas parecia não ter nenhuma dúvida sobre o que tinha lá dentro.
O investigador confiava em sua intuição a ponto de não ser preciso enxergar o interior da vigia de serviço da empresa de água e esgoto. Suas deduções eram unânimes com as conclusões do perito Geraldinho não deixando dúvidas e nem opção diversa. Após dar muitas explicações sobre sua solicitação e o local onde devia ser feito o resgate, desligou o aparelho. Terminado o telefonema disparou outro para o IML pedindo, remoção para dois corpos de vítimas em morte violenta. Ao terminar o último telefonema escutou o barulho da pancada da labanca na tampa de concreto na tentativa de removê-la. Os policiais estavam acostumados a serviços leves e não sem traquejo de operários braçais. Embora o sol da manhã estivesse ameno, estavam suados como se houvessem trabalhado naquela atividade desde o início da manhã. A tampa do poço de visita da fossa devia pesar mais de cem quilos e os dois agentes faziam força sem conseguir arredá-la. Devia ter grudado nas saliências do alojamento de terra. Travejane chegou à beira do canteiro de obras e pediu a labanca emprestada, enfiando-a em alavanca dum lado da peça e apenas com o peso de seu próprio corpo a levantou e, num segundo movimento deixou à vista a boca do pequeno bueiro vertical.
As mãos da vítima estavam a menos de um palmo do limite superior do bueiro. Por um triz o delegado não as esmagou quando fez aquela alavanca. O corpo parecia nu, cheio de sangue e de terra. Como o espaço era de apenas dois metros de profundidade e com mais ou menos sessenta centímetros de largura, a mulher ficou em pé sem condições de dobrar o corpo. As equipes de jornalistas se aproximam com seus instrumentos de trabalho fotografando e filmando tudo. A calota superior da cabeça dela pendia para um lado, mostrando a cavidade craniana cheia de terra e sangue. Quando descobriram os primeiros metros da trilha por onde o corpo foi arrastado, encontraram pedaços de massa cefálica. A cena era muito forte. Apenas uma equipe de televisão dum apresentador sensacionalista quis filmar com minudências os detalhes macabros.
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macumba - o terreiro da morte
Action04 NOITE MACABRA Uma história envolvente narrando dois assassinatos ocorridos logo após uma sessão de macumbaria num terreiro de macumba. O pretenso pai de santo Grampola, se envolve com um homossexual enrustido e arrasta seu...