XIX - ... Inspetor João Mocó...
Na segunda-feira apresentaram o relatório ao delegado Travejane sobre a diligência no terreiro de macumba. Disseram nada ter descoberto de novo na investigação, sugerindo voltar aos vestígios concretos reexaminando a perícia. Aquelas andanças atrás de magia negra não estavam resolvendo nada. Mesmo o delegado perguntando como foi o desenvolvimento dos trabalhos, nada responderam. Pareciam pouco a vontade para comentar alguma coisa, nem sobre mulheres bonitas quiseram falar e o chefe imaginou de ter ocorrido alguma coisa muito diferente, para não existir comentário. Pressionados, disseram apenas de se tratar duma religião diferente das outras, mas só isto. Travejane ficou desconfiado com a repentina perda de interesse deles pela aquela linha de investigação.
O azar dos policiais ainda estava para aportar na delegacia. O amigo deles no departamento de homicídios alertando-os sobre o que poderiam encontrar tinha aliados naquele terreiro de macumba e o relatório do ocorrido foi passado em detalhes. Até mesmo a alucinação do encerramento, quando os dois ficaram presos em suas mentes, viajando mais de cinco horas pelas estradas da imaginação. Quando os dois saíram da sala de Travejane, a primeira figura encontrada no corredor foi exatamente o inspetor João Mocó. Antes mesmo de dizer bom dia, ele abriu um enorme sorriso de gozação para o lado deles. Joca se fez de desentendido e perguntou-lhe pelas novidades alegrando-o tanto. A pergunta foi carregada de silogismo, mostrando não querer comentários sobre o ocorrido ali, aonde ouvidos indesejados pudessem ouvir. O colega simplesmente olhou de soslaio, para certificar-se de que outros não estivessem escutando e encostou-se à parede falando sobre a tremedeira de Reinaldo e do cavalo branco que subiu para a lua.
Caiu na risada, enquanto os dois policiais trocavam olhares de suspeição sobre a lisura do colega. Como aquele boca de matraca soube dos detalhes? Enfim confirmaram sem palavras, a parte do aperto passado. Era aquele tipo de interrogatório onde o silêncio é mais que a confissão, fazia parte do metier da profissão deles. Os vômitos pelo mau cheiro do mijo do caramunhão, até isto o tal sabia os pormenores. Mocó ainda perguntou se não borraram as calças, ao que Reinaldo alegou ter percebido um cheirinho suspeito, mas achava ter sido o parceiro. Ao receber um olhar de censura de Joca, retraiu na vontade de falar alguma coisa. Mocó já tinha munição suficiente para enxovalhar a conduta deles. Entretanto comentaram sobre o aperto e falaram de nunca mais mexer com aquelas coisas do além.
Para o azar deles, se esqueceram das divisórias muito finas separando as salas e o corredor e, mais: o vidro no arremate com teto, naquela parte estava quebrado num disparo acidental de arma de fogo ocorrido no último final de semana. A sindicância aberta para apurar as causas e conseqüências apontava como razão a tentativa de fuga dum preso. Do lado de dentro d'onde estavam, funcionava o gabinete do delegado Euripedes III e estava lá a escrivã Eva, o agente Marcelo e o carcerário Benicio, maior fofoqueiro do pedaço. Quando alguém desejava espalhar noticia como praga era só contar a ele.
O pescoço do carcereiro quase estourava na vontade de rir. Precisava manter o silêncio necessário para escutar o restante. Já era conhecida do departamento parte das aventuras dos policiais patricinhas investigando aquela história em terreiros de macumba. Os mais medrosos destas coisas, evitavam passar perto deles. Uma dupla de evangélicos do departamento de retrato falado esconjurava deles de longe e não largavam a bíblia para ir a nenhum ambiente da delegacia. Quando o assunto com Mocó terminou, a porta da sala ao lado se abriu e uma chuva de gargalhadas inundou o corredor. A algazarra foi tanta a ponto dos outros gabinetes se abrir e apareceu muitas pessoas querendo saber qual a piada para rir também.
Joca e Reinaldo ficaram lívidos com a situação. Reinaldo, que era corpulento e praticante de lutas marciais, simplesmente pegou Benicio pelo Colarinho elevando-o à sua altura puxando-o para bem perto da cara. Com aquele movimento o carcereiro ficou pendurado no braço do colega e nem conseguia tocar a ponta dos pés no chão, tal a diferença de tamanho entre eles. O encostou na parede e vis-à-vis vociferou-lhe nas fuças, baixinho diversas ameaças. A menor delas era quebrar-lhe as duas pernas em caso de fofoca.
E entre dentes disse-lhe mais, se abrisse a boca um nadica de nada, levaria tantos tapas capazes de bater o recorde dos beijos que sua mãe já lhe dera. Um psiu foi ouvido vindo do fundo do corredor. Eles olharam para onde vinha a advertência, o chefe do departamento estava do lado de fora mandando parar com aquele berreiro. Cada um procurasse o que fazer, pois sabia que todas as equipes tinham muitas coisas a apresentar sobre suas investigações, principalmente a turma de Travejane enrolada com aquela investigação dos macumbeiros. Joca se aproximou de Reinaldo e cutucou-lhe de leve e somente aí ele atentou que todas as portas do corredor estavam abertas e todo mundo do lado de fora. Aquela exposição era mais do que suficiente para terem problemas múltiplos com toda a delegacia e até a vizinhança.
Benicio foi solto e Reinaldo ajeitou-lhe mais ou menos o colarinho. A camisa estava amarrotada como se houvesse dormido numa garrafa. O desentendimento entre os dois policiais era uma senha clara para todos, sobre um tremendo babado rolando com a dupla infalível. Como os dois eram a menina dos olhos do departamento de homicídios, aguçou ao extremo o desejo de todos em saber o que rolava. Com a advertência do chefe, um delegado super linha dura todos voltaram à suas salas. Aquela cena de intimidação teve efeito contrário ao pretendido pelos policiais da elite. O telefone da sala onde se encontrava Benicio tocava sem parar, os dois ramais. Todos queriam saber das novidades. Inicialmente o carcereiro se negou a falar, mas depois da décima pergunta soltou uma coisinha aqui e acolá, até o departamento inteiro ficar sabendo os detalhes da desastrada diligência. E, evidentemente, a coisa foi aumentada em muitos graus. Benicio não poderia deixar escapar a oportunidade de cobrar um bom pedágio sobre o fato principal.
Algumas versões chegavam a dizer que os dois policiais ladraram como cães, rastejaram como sapos e se borraram tanto que tiveram de lavar a camioneta por dentro, em um lava jato. A roupa usada por eles foi enterrada no lixão, mas ninguém sabia o local exato. Um trio de investigadores lotados no gabinete do Dr. Paulo chegou a fazer diligencias no lixão do bairro Criméia procurando vestígios sobre a presença dos policiais de Travejane. Com a bronca do chefe da Divisão de Homicídios mandando todos deixarem o corredor Reinaldo voltou a sua sala e seu parceiro saiu para ver alguma coisa simples na oficina da SSP.
Eram dez horas e quarenta minutos, quando Joca retornou dirigindo a camioneta usada na malfadada diligência. Existiam inúmeros policiais no pátio. Pelo jeito esperavam alguma coisa. Ele, tal qual frango caipira em dia de festa na casa do patrão, passou pisando duro em olhares desconfiados e entrou no departamento de homicídios. Uma chusma de policiais correram para examinar a camioneta. Em minutos, todos da especializada estavam em volta do veículo. Havia até um delegado de polícia, adjunto duma das delegacias. Desejavam conferir os detalhes falados por Mocó. Aquele fedor do cavalo de São Jorge ainda era percebido. Reinaldo saiu para apanhar uma intimação no porta luvas e viu aquele ajuntamento de bisbilhoteiros.
Estavam tão entretidos e não perceberam o policial se aproximando. Ele estacou bem ao lado da turba perguntando o que procuravam. Ninguém respondeu e talvez não houve violência explicita em resposta a alguns gestos de gozação, pela presença do delegado. Todos se afastaram do carro, tampando o nariz em gestos de algo mal cheiroso. Não era preciso dizer nada, estava passado a senha da gozação. Reinaldo pensou aplicar um corretivo naquele carcereiro fofoqueiro, mas depois pensou melhor e resolveu levar na esportiva. Tirou a camioneta daquela vaga abrigada nas sombras dum flamboyant levando-a para o outro lado do pátio deixando-a sob um sol de lascar. Além de ser mais longe, o sol aceleraria o sumiço da inhaca.
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macumba - o terreiro da morte
Ação04 NOITE MACABRA Uma história envolvente narrando dois assassinatos ocorridos logo após uma sessão de macumbaria num terreiro de macumba. O pretenso pai de santo Grampola, se envolve com um homossexual enrustido e arrasta seu...