Capitulo VIII ...Marccola anda somente de quatro pelo...

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VIII -...Marcola anda somente de quatro pelo...

Às nove horas da segunda-feira imediata ao crime, o dono da firma de poços artesianos, Marcos Grampola, compareceu na delegacia se colocando à disposição do delegado. Após uma sessão de perguntas, ele foi repassado à escrivã Elcione para ser ouvido. Respondeu todas as perguntas sem pestanejar. Tinha discurso pronto para responder qualquer coisa. Quando Travejane lhe questionou sobre as sessões de macumba, participação em muitas delas na casa onde aconteceu o crime, inclusive naquela sexta-feira esteve lá de passagem quando recebeu passes e fluídos de exus. Era um trabalho pesado e os médiuns se cansaram muito.

O delegado resolveu conhecer melhor os ritos seguidos por Grampola e sua turma. Deixá-lo falar à vontade poderia desinibir e revelar alguns pontos interessantes:

─ Trabalho pesado como?

─ Ora, o Tranca-Rua, que desce no Marcola anda somente de quatro pelo chão e pelas paredes. Parece coisa do demo a careta que faz. Fuma um cigarrão de palha da grossura duma banana e bebe um litro de pinga numa virada. Naquele dia, foi preparado a ele farofa de galinha preta com muita pimenta. Até o cheiro ardia no nariz da gente. Era uma marmita normal cheia até nas bordas. A entidade comeu tudo como se fosse um porco faminto. Aquela quantidade de pimenta malagueta seria suficiente para ferir a boca de qualquer pessoa normal.

─ Marcola não caiu com o litro de pinga que bebeu?

─ Doutor, parece incrível, mas meia hora depois quando ele desincorporou não tinha nem cheiro de cachaça. Se fosse eu que houvesse bebido aquela pinga toda estaria em coma alcoólica até hoje. O litro vazio foi entregue para mim e quando ia guardá-lo no fundo do altar, resolvi virar ele, bebendo o restinho. Era pinga mesmo... e da boa.

─Para que foi chamado este tal de Tranca...? O que é mesmo?

─O nome do guia é Tranca-Rua. Um exu muito popular nos terreiros de macumba. Algumas pessoas dizem tratar-se de um espírito do mau, o diabo. Foi chamado para levar o zombeteiro

─ uma entidade do mal – estava perturbando a Zélia da farmácia, e precisava fazer um descarrego com transporte. Dona Maricota deu um passe nela e ficou espritada. Ajuntou um punhado de homens para segurar a mulher que queria fugir para a rua e tirar a roupa. Deveria estar com fluídos de Pomba Gira, eles não davam conta de conte-la. Dois homens em cada braço e nada.

─ E como conseguiram controlar a situação?

─ O Tranca-Rua abaixou, meio ressabiado. Assuntava de ouvido e visada todo canto do terreiro. Dizem dele ter muitos inimigos. Foi só pôr a mão acima da cabeça de Maricota e ela ficou mansinha como uma ovelha de ordenha. O caramunhão perturbando-a perdeu a força e apenas dava esturros como se fosse um leão peado. Alguns pontos cantados da Escola Espiritual de Menezes foram entoados. Enquanto isto, a entidade de luz amarrou o esprito em cordões de São Jorge. O exu do bem deu muitos esturros e desincorporou levando o zombeteiro mau para o país das trevas.

─ Alguém mais recebeu entidade bravias na sexta-feira do crime?

─Não, o trabalho foi feito apenas para dona Zélia. O preto velho que tinha encomendado os patuás e mandinga abaixou, fez o serviço, se despediu e foi embora. Terminada a função, ficamos por ali comentando sobre as diversas coisas de nossa religião ocorridas naquela noite. Todos foram saindo, dona Zélia pagou o preço combinado e fomos embora.

─ Quanto foi este preço?

─ Um salário mínimo. E pelo visto eles beberiam todo o dinheiro em jurubeba depois que fôssemos embora.

macumba - o terreiro da morteWhere stories live. Discover now