Capitulo XXIII - ... talvez não gostasse da fruta...

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XXIII -... Talvez não gostasse da fruta...

Geson estava de costas limpando uma vela de ignição e escutou a bicicleta parar a seu lado. Olhou para certificar-se quem era, e recebeu um tufo de algodão esterilizado. A mulher saiu como se não houvesse parado. Examinou o interior da mecha descobrindo pontas de unhas e pedaços de cutículas. Colocou o chumaço de algodão no banco do carro. Recolocou a vela de ignição no lugar, fechando o capuz do carro e deu partida. Chegou à delegacia e apresentou o objeto da diligência ao delegado. Nem ele mesmo sabia se a história contada à mulher era real. Falou até para o chefe que o homem suspeito do defloramento era bichado e talvez não gostasse da fruta. O delegado titular do DP simplesmente comentou ser o assunto, arrumação da Diretoria. Não sabia realmente do que se tratava. Não era do seu costume questionar ordens dos superiores e não estava disposto a ficar perguntando demais. "Quem pode manda e quem tem juízo obedece". Foi sempre assim e provavelmente o será por muito tempo.

As provas coletadas foram entregues a Travejane. Pessoalmente foi levá-las no Instituto de Criminalística, aproveitaria para cobrar andamento das pericias requisitadas, se seu amigo Geraldinho estivesse, faria uma visita de cortesia. Agora era só esperar pelo resultado prometido para daí a três dias. O grampo telefônico mandado fazer no telefone da irmã de Marcola teve o primeiro resultado. As fitas foram ouvidas e nada de novo apareceu, a não ser uma segunda conversa onde Marcola falava ser inocente no crime. Pelo assunto, ele deixou escapar informações de onde estava escondido: uma cidade praiana. Ao fundo da conversa, aparecia uma música sertaneja típica de Goiás. O telefonema foi longo e a música terminou com um locutor sertanejo falando animadamente.

O homem da locução era Barbosinha, dono de um programa sertanejo numa rádio FM de Goiânia. A qualidade da transmissão era muito boa, para não ser captada em Goiás mesmo, possivelmente uma cidade pertinho da capital, ou na própria metrópole. O tal estava mentindo para a irmã sobre sua real localização. A fita anterior foi trazida para nova oitiva e comparação com aquela recente. O interesse de Travejane era escutar os sons do fundo da conversa. Além das falas normais, se ouvia o barulho duma composição ferroviária sendo manobrada. Inicialmente ficou titubeante com o som, aquilo se parecia a uma oficina de ferragens. Entretanto os sons eram acompanhados de guinchar de ferros rangendo, semelhante a freio de trem de ferro. O barulho de composições sendo engatadas era inconfundível. Um apito de trem foi a pista final. Não existiam dúvidas: durante o primeiro telefonema havia uma composição férrea sendo manobrada. Até o possante roncar de motor de alta cilindrada se ouvia.

Bom, tinha a pista da praia, podia ser uma praia artificial ou nem existir e existindo barulho de trem de ferro devia ser uma cidade da região da Estrada de Ferro em Goiás. Carecia esperar mais um pouco pela terceira fita. Entretanto podia associar outras informações aos dois telefonemas. Na degravação a ser pedida na Polícia Técnica viria o número do telefone originador da chamada. Entretanto este dado podia ser verificado de imediato, extra-oficialmente. Bastava saber mexer nas pedras certas, no lugar exato. Enquanto escutava a ligação, fez um telefonema para o engenheiro de linhas telefônicas, Henrique Patrux, da empresa concessionária da grande Goiânia. Depois d'algumas brincadeiras envolvendo torcida para times de futebol, perguntou ao especialista sobre a gravação e se tinha condições de informar imediatamente o número da linha que ligou para o telefone grampeado. Ele perguntou pelo número vigiado e pediu um minuto.

Daí a pouco voltou com uma relação de números encontrados na mesma situação na hora questionada. Apenas uma ligação não era originada de Goiânia. O número foi jogado no sistema virtual e apareceu o endereço dum telefone público instalado no Bar do Nível de Ferro, localizado na cidade de Senador Canedo, próximo ao Pólo Petrolífero. O endereço foi anotado e os policiais despachados para o lugar para investigar. 



macumba - o terreiro da morteWhere stories live. Discover now