Capítulo XXI ...acertar suas contas no andar de cima...

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XXI - ... Acertar suas contas no andar de cima...

Berenice Martins Caldeira, uma quarentona curtida, mãe de Joca da Moreninha, um relés caxangueiro, freguês do 18o Distrito Policial, vivia às voltas com o filho envolvido em muitas ocorrências da polícia. Sempre era detido por arrombamentos e pequenos furtos. Sua mãe sofria muito com suas estripulias de fora da lei. Quando a mulher pegou a bicicleta para atender ao freguês importante da firma de poços artesianos, foi cercada no quarteirão de baixo. Um dos policiais conhecido por outras visitas em sua casa a abordou, mandando encostar a bicicleta e entrar na viatura para conversar. Quis dizer uns desaforos ao policial fazendo-a atrasar seu compromisso comercial, não tinha nada com a vida torta do filho, mas preferiu escutar, afinal de contas não lhe cobravam nada. Ao invés de entrar na viatura, preferiu ficar baixada sobre a janela e escutar.

O policial Geson a cumprimentou, tratando-a com cordialidade. Era educado, cheio de não-me-toques. Nem parecia ser polícia, até pensava que ele fosse da mesma laia de Grampola. Como podia ser isto, tantos homens bonitos, mas desmunhecando. Disse de supetão que seu filho devia ter mexido com alguém importante das esferas superiores da polícia, de repente ela estava sendo observada por alguma autoridade da Superintendência Policial. Ela nem sabia o que isso queria dizer, mas pela imponência do policial, pensou ser uma repartição importante. Tinha recebido uma ordem diretamente da corte, para deter a mãe de Joca e trancafiá-la. A justificativa era acoitar coisas roubadas pelo filho.

A recomendação vinha ainda com uma advertência: era para jogar fora a chave da cela onde ela fosse exilada. A mulher em sua ignorância ficou lívida. Realmente, vez por outra, algum eletro-eletrônico aparecia em sua casa, motivo de muita briga com o filho. A polícia ia à sua casa regularmente e apreendia alguma TV, videocassete, aparelho de som etc. Desconfiava, algum dia seria importunada por causa dessa mania feia do garoto. O policial parecia ser amigo, pelo menos não era violento. O conhecia de muitas outras visitas. Era o mais discreto de todos que a visitaram. O aperto era sem tamanho para seu pouco conhecimento da lei. Pensou em alguém de suas relações capaz de aliviá-la do sufoco, mas não se lembrou de ninguém. Perguntou quanto custaria para se ver livre daquela aporrinhação.

O homem chegou a se ofender dizendo nunca ter pegado dinheiro de pessoa humilde, trabalhadora como ela e não tinha culpa de ter aquele filho delinqüente. No íntimo, a pobre mãe pensava como faria para se livrar daquele traste, já maior de idade, parecendo um encosto espritado que não saía de baixo de suas saias nem com despacho de macumba. Berenice ficou calada uns segundos. O policial ficou matutando como iniciaria a proposta adrede preparada, enredando-a na trama. Finalmente veio a propositura: Grampola, quem a senhora vai atender agora, está metido nalguma coisa muito feia com a filha de um deputado da situação.

Por alto, soube 'ele ter deflorado a menina e o pai está uma fera. Esteve na delegacia insinuando procurar por um assassino de aluguel para despachar o Don Juan. O delegado tentou acalmar o homem dizendo de outras tendências do suspeito e era pouco provável ter embuchado-lhe a filha, mas ele insistiu e ainda se ofendeu como o chefe falou. Não acreditou de forma alguma, o enrustido usava deste expediente para enganar muita gente. Havia até marido chifrudo acreditando nele como bicha: era pura tapeação. Queria uma prova de DNA para desistir de mandar fazer aquele safado. Precisam de alguma coisa para um exame importante.

No fundo, todo mundo estava torcendo para o filho esperado pela mocinha não ser deste cafajeste. Se fosse o pai podia encomendar a alma e preparar suas contas para acertar mais cedo no andar de cima. O que dona Berenice precisava fazer não envolvia valores era somente coletar algumas cutículas ou pedaços de unhas dele, mas com absoluta certeza de ser o material de Grampola mesmo. Feito isto, trazer e entregar a ele. Ia ficar esperando. A mulher analisou a proposta e aceitou, afinal de contas não havia nada demais.

A mulher continuou pedalando ao seu destino. Avaliou os riscos da empreitada e concluiu não ser custoso. Mesmo não sendo verdade a história contada, valeria a pena investir. Estava sempre precisando de favores pra seu filho, até mesmo quando o visitava nas diversas ocasiões em que esteve preso. Geson ficou olhando a mulher indo rua abaixo. Embora fosse muito honesta, aquela condução poderia perfeitamente ser presente dado pelo filho. Desceu do carro mecanicamente. Abriu o capuz e começou a procurar algum defeito no compartimento do motor.

A manicure continuava analisando a missão recebida: a ordem vinda de cima, caso ela topasse fazer este favorzinho para a justiça, estaria livre das agruras da lei, conhecia o empresário há muitos anos e como todos os conhecidos dele, sabia-o escorregando no tomate. Não seria capaz de transar nem com uma mulher com muitos anos de cama. Desvirginar uma mocinha era tarefa impensável para ele. Em outras palavras, era bicha mesmo. Riu de seu pensamento e resolveu deixar o policial na inocência.

Nem ia contar isto para ele, deixando-o na ilusão. Se dissesse perderia a importância que estavam lhe atribuindo e talvez voltassem a lhe importunar. Tomaria providências, para nunca mais ficar dando sopa com flagrante de seu filho amadurecendo em casa. Se fossem lá hoje, encontrariam no mínimo um computador trazido há três dias. Disse ao homem que poderia esperar. Procuraria ser rápida.

Quando ia saindo do carro do polícia, este lhe advertiu que o material era apenas para uma contraprova, pois já tinha outro e sabiam exatamente qual o tipo sangüíneo do tarado. Se houvesse algum erro proposital, tanto ela quanto ele estariam ferrados. A mulher sorriu e teve vontade de explicar porque não faria esta troca, tinha certeza de seu cliente não ter culpa nenhuma naquele assunto de macho. Montou na bicicleta e pedalou com mais pressa. Precisava compensar o atraso para não deixar Grampola esperando. O tal gostava de ter ataques de chilique só para aparecer. Geson fingiu dar nova partida no carro e o motor não engrenou. Desceu reabrindo o capuz e examinou as partes do compartimento da casa de força. Quem passasse por ali até oferecia ajuda, mas ele recusava, dizendo já ter providenciado uma firma de socorro automotivo. Na porta do carro estava um logotipo mostrando ser um carro de serviço da empresa de força e luz.


macumba - o terreiro da morteWhere stories live. Discover now