Capítulo XXVI- ...queria tirar um pau...

37 1 0
                                    


 XXVI - ... queria tirar um pau....

A região da estrada de ferro no município de Senador Canedo ganhou um movimento considerável com a mudança do pólo petrolífero da capital goiana para o lugar. Nas proximidades, do lado de baixo, tinha uma mata preservada pela Companhia Ferroviária. Do outro lado emoldurando a mata existe um morro enorme, quase uma montanha. Alguns estudiosos de geografia chegaram a dizer que na era glacial, aquele monte foi uma montanha aplainada no correr das eras. Em seu platô existia pouca vegetação, em vista da condição escarpada do terreno. Os lados do morro estava toda riscada, com vários trilhos na vegetação rala. Olhando de longe via os riscos recentes, dando a impressão duma decoração de jardinagem.

Aqueles estragos na terra eram na verdade trilhas feitas por muitos motoqueiros praticando MotoCross, uma modalidade de motociclismo radical ganhando força no time da rapaziada sarada. A Polícia Florestal se esforçava para preservar o morro, evitando que pneus de motos fizessem sulcos e estes como feridas abertas permitissem as enxurradas rasgar a terra formando voçorocas. A erosão descontrolada ia desfigurando a superfície ano após ano. De vez em quando, os homens da lei apareciam na tentativa de prendê-los, mas sem sucesso. A turma de profanadores da natureza era bamba nas fugas pelo meio do cerrado. Adoravam quando aparecia algum perseguidor. Escaldada com o insucesso nas perseguições, a polícia aparecia somente quando a mídia enchia o noticiário com o assunto.

O Bar do Nível de Ferro ficava ao sopé do morro, onde a rodovia cruzava com a via férrea. Havia muitos anos de funcionamento no local, desde antes da ferrovia quando instalaram a estrada de ferro e a passagem de nível era uma estradinha curraleira servindo a Vila de Senador Canedo, ainda integrada à capital. O dono era o mesmo, apenas ficou bem mais velho, cabeça branca e barriga volumosa. Continuava boa praça como quando era jovem. Os motoqueiros desejosos de se aventurar na subida sempre paravam no bar para tomar uma dose de aguardente e outra de coragem antes de encarar a subida e às vezes a polícia. O dono do bar era cúmplice deles, eram seus fregueses e quanto maior a freqüência, maior o faturamento. A freguesia não mudava muito desde os primeiros visitantes do bar, agora estavam na segunda geração, alguns vinham até acompanhados de pais ou tios. Raramente aparecia algum estranho. Quando a polícia estava de atalaia, entrincheirada nalguma moita, ele avisava e a turma maneirava.

Joca chegou ao pedaço vestido a caráter para a prática de motocross. Seu uniforme em azul e vermelho trazia paramentos para canelas, costas, braços, etc.. Em caso de queda estaria bem protegido. Sua máquina de grimpar era uma Yamaha XT 600, relacionada pelos entendidos como a melhor para aquela prática arrojada. O terreiro da venda, em chão batido, estava cheio de sinais de pneus de motocicletas saindo dali patinando. O visitante olhou as marcas e resolveu deixar a sua. Enrolou a munheca no acelerador da máquina e soltou com violência várias vezes esquentando a usina de força. Sentiu o olhar da galera grudado nele e enrolou a munheca, fazendo os giros do motorzão pular para dez mil rotações. Soltou de leve a embreagem, fazendo a moto rodopiar em trezentos e sessenta graus escorada na perna esquerda como alavanca. Apesar de ser piso de terra, o pneu cantou bonito. Completou o zerinho de poeira e puxou o descanso lateral, desligando-a. Pronto, deixou sua marca e já podia se misturar com a turma, sem medo. Era sábado, existindo muitos aficionados daquele esporte por ali.

Cumprimentou um ou outro com aceno de capacete. Encostou-se ao balcão e pediu uma doze de conhaque Presidente. Muitos foram para o lado da moto observá-la, não lhes pareceu ser o piloto praticante cross. Sua moto estava muito conservada e não tinha nenhum ralado ou mossa. Os comentários rolavam à boca pequena alarmando ser o visitante um macacão de anjo e levaria seus primeiros tombos de batismo naquela manhã. Apeou da moto olhando todas as direções à procura de Marcola. O telefone público donde foi feito as duas ligações gravadas estava ali do lado de fora. As muitas caras vistas em nada se pareciam com o suspeito. Nisto, escutou o ronco duma moto barulhenta funcionando do lado de fora. Em seguida, outra também o fez. Todos saíram para ver. Os dois se alinharam em um sulco além do bar uns dez metros, na direção do morro.

macumba - o terreiro da morteWhere stories live. Discover now