Cassidy decidiu ficar longe de Brig nos dias que se seguiram, mas não podia deixar de vê-lo dirigindo o trator, escorando a cerca, separando o gado ou trabalhando com Remmington. Pelo canto dos olhos, observava quando ele conversava, ria ou fumava com vários dos outros empregados da fazenda e percebia que ele não se importava de pedir a Angie que fosse embora sempre que ela surgia atrás dele. Repetidas vezes eles estavam juntos, ela sorrindo para ele, e ele sendo paciente com ela.
Cassidy não podia imaginar o que eles tinham para conversar. Mas, com Angie, não precisava haver muita conversa. Homens e rapazes competiam entre si só pela honra de ficar perto dela.
Quase uma semana havia se passado até Cassidy ficar novamente sem ter o que fazer. Sentia-se inquieta e entediada e tentava imaginar por que aquele verão estava diferente de qualquer outro. No ano anterior, ainda se encantara um pouco com as coisas que sempre fazia, mas, naquele verão, com o tempo tão causticante... Olhou para o cercado onde Brig treinava Remmington. O cavalo parecia menos irritado. Talvez Brig estivesse progredindo. Alguns homens domavam cavalos com rapidez, em questão de dias, mas Brig tinha seu ritmo para trabalhar com os animais, e, por isso, assim achou ela, devia ficar agradecida. No entanto, ainda se sentia como se toda a família a tratasse como uma garotinha que não podia fazer nada por si mesma. - nem mesmo montar o próprio cavalo.
Ela saltou a cerca e andou até o córrego onde, quando menina, pescava caranguejos e moluscos e observava os insetos aquáticos pousarem nas ondas. Ela, Angie e Derrick haviam brincado ali anos antes, jogando água um no outro, atirando lama, andando pela parte rasa. Derrick fora agradável então, rindo e puxando seus cabelos ou tentando sujar as irmãs mais novas com a lama que pegava do fundo do riacho. Uma vez, ela e Angie o pegaram fumando seu primeiro cigarro ali, tossindo horrores; outra vez, ela o espiara com uma morena, beijando-a e rolando nas sombras, suado e ofegante. Cassidy saíra rapidamente, enfiando-se debaixo da cortina de folhas dos galhos do carvalho, antes que reconhecesse a garota, que, muito prontamente, o deixara tirar seu sutiã minúsculo de adolescente.
Foi mais ou menos nessa época que as coisas começaram a mudar, quando Derrick começou a se interessar por garotas. Começou a olhar de forma diferente para ela e não mais brincou com as irmãs. Sempre teve um jeito encapetado, mas pareceu piorar na época em que a barba começou a crescer e sua voz passou a hesitar entre o grave e o agudo. Andava frustrado e irritado. Certa vez, chibatou um cavalo até sangrar e atirou no gato do vizinho por esporte. Em ambos os incidentes, Rex repreendeu o filho e o levou à força para o celeiro, onde o fez se inclinar sobre um cavalete de madeira e usou o chicote do próprio menino em seu traseiro. Derrick gritou e chorou, praguejando enquanto apanhava, depois voltou para casa com o rosto vermelho e suado, os olhos cheios de lágrimas de humilhação, os lábios torcidos numa provocação cheia de ódio.
Depois, o pai o levou à cidade, fazendo-o conversar com o padre, mas, a despeito de quantas ave-marias e pai-nossos Derrick tenha sido obrigado a rezar, ele apenas piorou. Cassidy tinha certeza de que ele poderia ter rezado inúmeros rosários, gastado as contas até ficarem lisinhas, mas, ainda assim, não se submeteria à vontade do pai.
Não, alguma coisa dentro dele havia mudado, mas ela não sabia o quê.
Agora, Cassidy retirava as botas e mergulhava os dedos na lama perto da margem do rio. O riacho era raso, não muito mais do que um fluxo pequeno de água, que corria e espirrava por cima de pedras moldadas pelo tempo.
Abraçando os joelhos, sentiu-se inquieta de novo - a mesma energia desalentadora que a mantinha acordada durante a noite.
Retirando um naco de grama da beira do riacho, assustou-se quando uma sombra passou por cima de seus ombros e alongou-se no chão à sua frente.
- O que você está fazendo aqui?
Brig. Reconheceria a voz dele em qualquer lugar. Seu coração foi parar na boca.
- Nada. - Virando-se, procurou não deixá-lo perceber que notara a camisa dele desabotoada, as mangas arregaçadas, seus jeans quase puídos tão baixos nos quadris e seu umbigo e os pelos escuros em volta dele. Um calor intenso lhe percorreu o sangue quando ela jogou os cabelos para cima dos ombros e desejou que os pés não estivessem negros de lama. - Estava apenas pensando em quando eu montaria meu cavalo de novo.
- Você parece um disco arranhado.
- E então?
- Assim que ele estiver tão dócil quanto um filhotinho.
- Se eu quisesse um cachorrinho - disse, com uma tirada de esperteza -, eu teria ido a um abrigo de cães. - Levantando-se, secou os pés na grama e tentou esconder o fato de estar encabulada. - Acho que você deveria parar de trabalhar com o Remmington. Gosto dele do jeito que é.
- Rebelde.
- É, rebelde.
Ele emitiu um som de desgosto.
- Eu já disse que gosto de cavalos com certo toque de selvageria, que tenham seu próprio jeito.
- Um que a atire no chão e a chute sem motivo? - perguntou ele, brincando com o canivete. Brig parecia mais alto em pé, com suas botas de caubói, do que descalço. A luz do sol mudava de posição com o movimento das folhas que se agitavam ao sabor do vento, fazendo as sombras se moverem sobre seus traços esculpidos. Ele fechou o canivete, produzindo um estalo.
- Para mim, ele jogou você no chão.
Um sorriso retorcido afagou os lábios de Brig. Ele pôs o canivete no bolso.
- Não posso negar, mas espero que você não saia por aí espalhando a notícia. Não gostaria que o resto dos empregados ficasse sabendo.
- Será o nosso segredo - disse ela, com um sorriso.
- Será?
- Juro pela minha vida... - Ela fez o gesto infantil em cima do peito e parou quando sentiu o olhar dele seguir seu movimento. - Bem, você sabe o que quero dizer.
Fazendo beiço, ele concordou, o gesto mais agradável que havia partido dele até então.
- Mas ainda acho que deveria ter a chance de montá-lo.
- Você terá - prometeu Brig. - Em breve.
- Posso controlá-lo.
- Então como você explica isso aqui? - Ele tocou seu ombro contundido, e ela quase saltou.
Em algum lugar de sua mente, Cassidy percebeu que ficar a sós com ele era flertar com um perigo que ela não compreendia. Havia sempre algo de diferente no ar quando estava em sua companhia... como uma descarga elétrica antes de um trovão.
Cassidy levantou o ombro num gesto interrogativo.
- Cometi um erro na última vez que o montei.
- Um que o seu pai não quer que se repita.
- Talvez ele não saiba o que é melhor para mim.
- E você sabe? - Uma sobrancelha escura subiu alto, e ela percebeu que ele estava rindo da tentativa dela de ser corajosa.
- Por que você me trata como criança?
- Porque você é uma criança.
- Você não é tão mais velho assim.
- Não é uma questão de idade, minha cara.
- Então é questão de quê? - perguntou ela, levantando o queixo num gesto de desafio. - Da sua experiência?
Um meio sorriso perpassou pelos lábios dele.
- Ela é parte.
Brig se aproximou e, por um breve instante, ela achou que a beijaria, mas ele tocou a corrente em torno de seu pescoço da forma como fizera antes. A medalha pendurada entre seus seios parecia queimar-lhe a pele.
- Você sempre usa essa medalha.
Ela concordou.
- Por quê?
- Eu... eu não sei.
- Algum tipo de compromisso com sua igreja? Ou foi algum rapaz que deu para você?
- Não foi nenhum rapaz que me deu.
Ele largou a corrente, desviou o olhar por um segundo e suspirou.
- Eu segui você até aqui para pedir desculpas - admitiu ele. - Peguei meio pesado outro dia.
- Está tudo bem...
- Não. Deixe-me pedir desculpas. Você, eh, me pegou com as calças arriadas, mais ou menos isso. Perdi a concentração, o cavalo percebeu e me derrubou.
- Mas eu distraí você. - O clima parecia pesado, e ela recuou uns dois passos, as nádegas tocando o tronco áspero do salgueiro.
- Eu não deveria ter permitido.
- Ah.
Brig olhou para o pescoço dela, para onde seu sangue pulsava furiosamente. Por alguns segundos, apenas o borbulhar suave do riacho quebrou o silêncio. Cassidy percebeu que ele queria beijá-la, que a razão pela qual as mãos dele estavam fechadas era porque lutava uma batalha perdida consigo mesmo. - É melhor eu ir andando...
- Não! - respondeu rapidamente e sentiu as faces arderem. - Eu... eh...
Um músculo tremeu no maxilar dele, marcando os batimentos cardíacos. Seu olhar foi ao encontro do dela e, embora nenhuma palavra tenha sido dita, Cassidy sabia que ele sentia aquilo também, aquele calor, aquela ansiedade que parecia pulsar no ar entre eles. Ela lambeu os lábios. Ele emitiu um gemido suave, e, quando falou, a voz saiu seca e rude.
- Seria melhor para nós dois se você ficasse longe de mim e do cavalo.
- Gosto de ficar perto de você - admitiu, e ele fechou os olhos, como se pudesse guardar sua imagem.
- Bem, não diga isso, Cassidy. Não goste de mim. - Quando abriu os olhos, parecia estar sob controle, e as veias não mais saltavam de seus braços e pescoço. - Acredite em mim, garota, nós dois ficaremos melhores se você mantiver uma boa distância de mim.
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O último grito
RomanceProsperity, Oregon, 1977. Um incêndio criminoso no moinho da abastada família Buchanan faz Cassidy, filha caçula de Rex Buchanan, dono da propriedade e de metade da cidade, ver sua adolescência e seu amor serem levados pelo fogo. A autoria do incênd...