CAPÍTULO 7

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- Acho que não está certo, Rex, isso é tudo o que eu tenho para dizer. - Dena olhou seu reflexo no espelho, em cima da pia, na suíte principal, e fez careta para as raízes grisalhas que estavam começando a aparecer em contraste com os cabelos ruivos. Sempre sentira orgulho de seus cabelos, mas, agora, até eles estavam começando a incomodá-la, junto com o rosto e o pescoço, ambos mostrando mais rugas do que deviam e bolsas debaixo dos olhos - bem, não era de admirar que parecesse tão estressada, preocupada do jeito que estava com as duas filhas. Como conseguiria parecer radiante no churrasco da semana seguinte, na casa da família Caldwell, era algo que já a preocupava. Precisava de um vestido novo, de sapatos novos e de mais do que uma pequena cirurgia plástica. Acabou de pentear os cabelos e pegou o maço de cigarros.
- Por que você deu emprego àquele inútil é uma coisa que eu não entendo.
Rex estava de pé, atrás da porta parcialmente fechada do closet.
- Brig precisava de emprego. Ele é danado de bom com cavalos, e o cavalo da Cassidy já a derrubou uma vez. Eu não queria arriscar de novo.
- Mas não se importa de correr riscos com aquele tal de McKenzie. E com as nossas meninas. - Pelo canto dos olhos, viu-o amarrando o roupão. De pé, de cuecas, ainda era um homem imponente.
Ah, andava um pouco curvado, mas seus músculos ainda apareciam por baixo da pele, e suas pernas não tinham gordura alguma, graças às horas gastas no campo de golfe. Seus cabelos eram branco-neve, em franco contraste com as sobrancelhas escuras, e seu rosto, bronzeado por causa dos dias no campo de golfe, era belo, praticamente esculpido, não fosse pela linha do maxilar, onde o início de uma papada já se fazia evidente. Envelhecer era uma merda. Acendeu o cigarro e, ao dar uma tragada, percebeu as linhas finas que circundavam seus lábios.
- Não estou pondo as meninas em risco. Do que está falando? - Vestiu rapidamente um conjunto de moletom, roupa que usava para se exercitar, em vez do conjunto aveludado bordô que ela havia comprado para ele em seu último aniversário. Mas Dena não tinha tempo para discutir esse assunto; além do mais, ninguém o veria, e ela estava com outros problemas na cabeça - problemões que diziam respeito a Brig McKenzie. O filho rebelde de Sunny.
Dena também não estaria satisfeita se Rex tivesse contratado Chase, o outro filho de Sunny McKenzie, mas poderia ter entendido; este, segundo diziam, era responsável, preocupava-se com o futuro, mantinha a cara limpa e sabia o seu lugar. Pelo menos, tentava fazer a coisa certa. Parecia um pouco mais refinado do que seu irmão mais novo. Brig, por sua vez - bem, o que se dizia era que ele fazia o que lhe dava na telha e não tinha respeito por nada nem ninguém. Usava jaqueta de couro e dirigia uma motocicleta, pelo amor de Deus, como se fosse um tipo de gângster ou anjo do mal. Ela tremeu por baixo das dobras do roupão de seda.
Apesar de tudo isso, Rex não estava preocupado.
Aquela não era hora para sutilezas. Às vezes, a única forma de passar pelo teimoso do seu marido era dando-lhe uma pancada na cabeça com um bastão de beisebol.
- Já foi muito ruim você dar emprego ao débil mental. A forma como ele fica babando perto das meninas...
- Olha aqui, Dena, sou uma pessoa respeitada na comunidade, um dos homens mais ricos de Prosperity e, como tal, tenho a obrigação de fazer algumas coisas que podem não parecer muito viáveis economicamente... gestos de benevolência. Além disso, tem a igreja. Padre James parece achar que... ah, deixa, você não iria entender mesmo. Em suma, ninguém lhe daria emprego, e o Willie é um bom trabalhador. Não me dá trabalho algum. - Seu maxilar se retesou, expressando teimosia.
Rex tinha orgulho de sua filantropia, e, quando o assunto era Willie, a questão de demiti-lo era e sempre seria tabu. Dena já havia percebido isso anos atrás, quando Rex dera emprego ao bobalhão. Ela fizera um escândalo, mas então o marido fora taxativo. Várias vezes desde então, sempre que ferramentas ou peças eram perdidas ou roubadas, ela sugeria que Rex demitisse Willie, mas o assunto estava sempre fora de questão. Rex não estava disposto a ceder.
Ela tragou o cigarro, não gostou da própria aparência no espelho e amassou a droga do Viceroy no cinzeiro de prata, próximo à pia. Tinha de parar de fumar. As linhas em torno dos olhos estavam ficando muito aparentes de tanto piscar atrás da fumaça.
- Brig McKenzie tem péssima reputação, você e eu sabemos disso. Bebe demais, mesmo sendo menor de idade, e depois se mete em brigas. Já foi demitido sabe Deus de quantos empregos e dorme com qualquer mulher em que põe as mãos.
- Você não sabe se é verdade. É tudo fofoca de cidade pequena.
- Onde há fumaça, há fogo, Rex. Lembre-se das raízes deles. Ele vem do nada.
- Sunny McKenzie...
- É nada, e seu marido, ou ex-marido, não era muito melhor. Um bêbado com um mau temperamento. - Virou de costas para a pia e encarou o marido. - Quanto mais você faz por essa família, maiores são as fofocas sobre você... - A voz dela falhou, e ela encolheu os ombros.
- Mais uma vez, é tudo fofoca.
- Que eu ouço o tempo todo. No clube, enquanto estou jogando bridge, quando vou fazer o cabelo, até depois da missa. Estou lhe falando, Rex, você tem que parar de ficar se curvando para a Sunny e seus filhos!
- Também ajudo outras famílias. Quando os maridos estão desempregados ou os filhos pequenos estão doentes...
- ...ou quase se afogando.
Rex olhou duramente para ela.
- Isso foi há muito tempo - advertiu-a. - A Sunny precisava de ajuda. O marido a havia deixado.
- Eu sei, e você sabe também, mas as pessoas ainda falam - disse ela, os boatos desagradáveis sempre permeando sua consciência. - Como se já não bastasse você visitar o túmulo de Lucretia todas as semanas, mas...
- Não a envolva nessa situação - disse-lhe, categórico, no tom de voz que lhe reservava quando estava particularmente irritado, um tom reducionista.
Dena não pegaria pesado com ele em relação a Lucretia, mas não podia desistir do assunto em questão.
- Veja, Rex, tanto eu quanto você sabemos que as únicas coisas que Brig McKenzie tem a seu favor é a boa aparência e o fato de ser inteligente como o capeta: ele sabe como jogar com as pessoas para conseguir o que quer. Veja como jogou com você.
- Ele não jogou comigo - resmungou Rex, enquanto voltava para o quarto.
Ela lhe lançou um olhar que, silenciosamente, o chamava de tolo.
- Esse rapaz sabe exatamente o que está fazendo, e você pode escrever o que estou dizendo: ele é encrenca, e do tipo que nunca vimos antes. - Dena calçou os chinelos cor-de-rosa e foi atrás do marido. Rex já estava montado em sua bicicleta ergométrica, pedalando furiosamente, com o suor lhe escorrendo pela testa. O armário estava aberto, exibindo a televisão na qual belas mulheres em uniforme policial cumpriam tarefas corriqueiras. As panteras, um dos programas favoritos de Rex, estava para começar. - Não quero a Cassidy andando com esse rapaz. Acho que ela está interessada nele.
- Cassidy? Ela é só uma menina.
- Já deu uma olhada nela ultimamente, Rex? - perguntou Dena, ligeiramente magoada. Para o marido, Cassidy jamais seria algo mais do que sua segunda filha, segunda em linha sucessória e em importância. Ele nunca dissera, mas isso ficava óbvio em suas pequenas atitudes, que Dena julgava irritantes e dolorosas.
- Ela não está interessada em rapazes.
- Não por rapazes, só por Brig. Não consegue ficar longe dele.
- É por causa do cavalo. Nada tem a ver com o McKenzie.
- Abra os olhos, Rex. Ela tem dezesseis anos e... bem, eu me lembro de como era nessa idade.
- Você não pode impedi-la de ir às cocheiras.
Dena suspirou.
- Não, mas posso ficar de olho nela e me certificar de que fique longe daquele joão-ninguém. E, quanto a Angie, Deus sabe que não posso controlá-la, ela é sua filha, mas, se fosse você, eu a proibiria de ir a qualquer lugar onde ele estivesse.
- Ela não vai.
Dena balançou a cabeça.
- Nunca vi você como um tolo, Rex, mas talvez tenha me enganado. - Dena acomodou-se na cama king-size e afofou os travesseiros contra a cabeceira.
Normalmente, não criticava Angie, pois Rex adorava a menina e a tratava como membro da realeza. Era visivelmente mais dedicado a Angie do que a Cassidy; isso era óbvio para qualquer um na casa. Dena sabia por quê. Angie era filha de Lucretia, e, embora sua primeira esposa tivesse morrido havia anos, Rex ainda a reverenciava - acendia velas na missa, falava e agia como se ela fosse uma santa.
A mulher dera cabo da própria vida, pelo amor de Deus, e todos sabiam que suicídio era pecado. Ainda assim, Rex era fiel à memória da primeira esposa, e Dena tinha plena consciência de que, se ela morresse, ele não acenderia velas, tampouco faria orações, venerando-a por quase duas décadas.
- Angie ficou no Colégio Santa Teresa por quase quatro anos, e as freiras lhe deram uma educação moral forte e boa. Não se preocupe com ela. Ela é uma boa menina. - Estava começando a suar de verdade agora, e a bicicleta fazia um barulho alto demais, impedindo que ouvisse o diálogo na televisão. Antes que Dena pudesse dizer mais uma palavra, ele apertou o controle remoto, e o volume ecoou mais alto pelo quarto.

O último gritoOnde histórias criam vida. Descubra agora