CAPÍTULO 33

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Chase não estava em casa. Cassidy chamou por ele e andou por cada cômodo, o coração disparando à medida que o silêncio se acentuava. Fora o zumbido do refrigerador, o tique-taque do relógio, o chiado suave do ar-condicionado, a casa estava silenciosa. Vazia. As passadas soavam em contato com o chão de lajotas e com a madeira do piso, até ficarem abafadas quando ela passou pelos tapetes.
As muletas não estavam à vista, mas, quando abriu o armário, viu as roupas dele, todas caprichosamente passadas e penduradas nos devidos lugares. Então ele não fora tolo o suficiente para ir embora. Mas onde estaria? Seu carro, um Jaguar verde, ainda estava na garagem. A caminhonete que levara para a serraria havia pegado fogo no incêndio.
Cassidy voltou à sala de televisão, procurou um bilhete, alguma pista, até que olhou pela janela dos fundos e o viu recostado em uma pedra, sob a sombra de uma castanheira, perto do lago que ele havia mandado cavar no segundo verão que passaram ali.
Estava em casa havia apenas um dia, ainda sob efeito de analgésicos, e, embora pudesse caminhar com muletas, ficava a maior parte do tempo dependente dela. O que odiava. Cada vez que falava com ele, via raiva em seu olho sadio, uma fúria silenciosa que parecia irradiar. Havia outras emoções também, ardentes, e fervendo lentamente sob a superfície, uma corrente elétrica que nenhum dos dois queria examinar perto demais.
O sol estava começando a se pôr, e ele parecia mais à vontade do que estivera desde que voltara para casa. Cassidy pensou em deixá-lo como estava, começar a jantar e esperá-lo, mas, em vez disso, acabou se unindo a ele. Talvez estivesse na hora de curar algumas feridas.
A briga que tiveram antes do incêndio ainda gritava em sua mente.
- Você nunca me amou - acusara ela, lágrimas se acumulando nos olhos. - Casou-se comigo só para fazer parte do império do meu pai.
- E você se casou comigo porque eu era o que havia de mais próximo de Brig.
- Mentira.
- É? - bufara ele, a mão graúda se fechando sobre a lapela da jaqueta.
- Casei com você porque achei que o amava. Queria uma vida mais tranquila, queria ter filhos, mas tudo o que você queria era voltar para cá para fazer nome. Provar que era tão bom quanto as pessoas de dinheiro, mostrar o quanto era esperto. E conseguiu, não conseguiu? Chegou até a convencer o meu pai. Bem, deu certo, Chase, você conseguiu o que sempre quis: um monte de dinheiro e um pedaço da fortuna da família Buchanan.
- E uma das mulheres mais ricas do condado como esposa.
- Foi isso, não foi? Desde o início. Não era a mim que você queria - dissera ela, os punhos se curvando em frustração, enquanto lutava para manter a compostura, recusando-se a cair no choro. - Era o meu nome e o status social.
- Você entenderia, caso não tivesse nascido com mais dinheiro do que seria capaz de gastar em toda a vida. Se tivesse sido obrigada a ter dois empregos para manter uma mãe maluca, se tivesse sido obrigada a manter a cabeça erguida mesmo que suas orelhas queimassem com a fofoca que a cidade inteira fazia sobre ela, sobre seu irmão, sobre o pai que foi embora um dia. - Sua raiva parecia ter amainado, e ele olhava para Cassidy com olhos sofridos. - Então você quer se divorciar.
- Quero que tenhamos uma vida. Você não precisa trabalhar oitenta horas por semana. Não precisa sair da cidade a trabalho, em viagens que duram quatro dias. Não precisa provar nada para mim nem para o resto da droga da cidade.
- Para quê? Para eu poder passar mais noites em casa? Para a gente poder começar uma família?
- É, eu acho que...
- Que seria um erro, Cassidy. Não quero ter filhos, nunca quis.
O coração dela se partira neste momento.
- Achei que mudaria de ideia, disse que isso seria possível...
- Pare de ficar distorcendo minhas palavras. Os filhos arruinaram a vida da minha mãe. Arruinaram a vida do seu pai. Filhos só representam problemas.
- E alegria.
- Não o suficiente - dissera, com mágoa e, quando olhou para seus olhos azuis, finalmente entendeu.
- Você não será feliz até conseguir tudo isso, não é? A empresa. As subsidiárias. A propriedade.
- O respeito, droga! Você não entende? Isso é tudo o que eu quero, tudo o que eu sempre quis. Eu venderia tudo isso se conseguisse um pingo de respeito.
- E você achou que ele poderia ser comprado ao se casar com a mulher certa ou possuindo as coisas certas.
- Sei que pode.
Todos os sonhos dela se estilhaçaram. As ilusões que ela mantivera com tanto carinho, com tanta ingenuidade, foram repentinamente destruídas.
- Então eu quero o divórcio, Chase.
- Só por cima do meu cadáver.
- Mas...
- Ouça, Cassidy - ele a ameaçara, uma veia pulsando em sua têmpora. - Ouça alto e bom som. Eu nunca vou permitir que você se divorcie de mim e, se você tentar, farei tudo e qualquer coisa para forçá-la a parar. Irei contratar advogados, detetives particulares, farei o que for preciso e me certificarei de que, se você finalmente conseguir se livrar de mim, acabará sem um centavo.
Cassidy se encolhera só de pensar, o rosto contorcido de dor.
- Por quê?
Uma veia se pronunciara raivosamente na testa de Chase.
- Porque, acredite ou não, eu a amo e prefiro morrer a perdê-la. - A raiva em seus olhos a assustara, mas a fizera acreditar nele.
Agora ele queria o divórcio e estava disposto a vender suas cotas da empresa. Uma virada completa. Por que dera essa volta? Por causa do incêndio? Por que finalmente encarara a verdade, que eles nunca mais fariam o casamento dar certo? Exatamente quando ela estava disposta a tentar novamente. Parecia ironia, não? Eles nunca pareciam dispostos a se esforçar ao mesmo tempo.
Cassidy foi para o jardim - passando pelos vasos pendurados com fúcsia e suas pétalas molhadas, e roseiras carregadas - seguindo um caminho de tijolos cimentados até o gramado extenso e as flores silvestres que cresciam perto da borda da água. Quando Chase cavara aquele lago, recusara-se a fazer uma paginação daquela área, insistindo que a velha nogueira ficasse onde estava e deixasse a natureza decidir o que brotaria nas margens arenosas.
Ouvindo-a se aproximar, levantou a cabeça. Aos poucos, seu rosto cheio de hematomas estava se tornando reconhecível.
- Você me deixou preocupada quando não consegui encontrá-lo em casa - disse, ao sentar-se no banco perto da grama crescida e pousando o olhar na superfície lisa da água.
- Não aguento ficar trancado.
- Eu sei. - Retirando o sapato, enterrou um dedo na areia branca que ele havia trazido de caminhão de uma praia, anos atrás. Cassidy sempre achara que veria os filhos construindo castelos de areia ali, espirrando água e nadando naquela água cristalina, pescando e catando caranguejo onde a água batia debaixo das árvores. Mas fora uma tola. Uma romântica e idiota completa.
- Você devia ter me contado sobre Willie assim que ficou sabendo.
- Talvez. Eu só estava tentando...
- Me proteger? - zombou ele, as palavras e a voz ainda abafadas por causa dos fios de arame. - Não preciso de você para me proteger da verdade.
- Precisa de mim para alguma coisa?
Ele não respondeu. Simplesmente pegou uma pedra chata com a mão livre e, virando o pulso, atirou-a, fazendo-a pular quatro vezes e formar ciclos que brincavam na superfície do lago.
- Olha, andei pensando... - Observava a água até o horizonte, onde a encosta nevoada das montanhas Cascade se encontrava com o céu. - Talvez a gente devesse se esforçar mais.
- Para quê?
- Para salvar nosso casamento.
Ele mexeu com o maxilar, e seu olho, fixo na água, pareceu ainda mais distante.
Gansos selvagens voavam no céu, lembrando Cassidy de que o verão logo chegaria ao fim. Uma brisa agitava as folhas secas da nogueira e movimentava seus cabelos.
- Por quê?
O porquê.
- Porque foi bom uma vez.
- Foi?
- No começo - lembrou-lhe. - Quando nos entendemos no passado, foi bom. Mesmo depois que nos mudamos para cá, por um tempo... - Cassidy deixou a voz se extinguir.
Os gansos grasnavam ao longe, e o odor de rosas murchando perfumava o ar. Em algum lugar, longe dali, roncava o motor de um trator, e, alto no céu, a fumaça de um jato avolumava-se, macia, em contraste com o azul.
- Você não precisa sentir qualquer obrigação para comigo. Só por causa do que falei sobre não deixar você se divorciar de mim...
- Não estou sentindo. Bem, talvez um pouco, mas não por causa do que você disse, mas porque eu quero, Chase. Quero que dê certo para nós dois.
Ele reconsiderou, o olho se fechando diante de uma visão interior.
- E se não conseguirmos?
- Não vamos ficar piores do que estamos. - Cassidy buscou a mão dele, e sua reação foi imediata.
Esquivando-se, virou-se e encarou-a.
- Não quero a sua piedade, Cass.
- Não estou sentindo piedade.
- E não quero que você se sinta moralmente obrigada a conviver com um homem aleijado, parcialmente cego. Não precisa fingir me amar...
- Eu nunca faria...
- É claro que faria. Já fez. Não minta, Cass. O que quer que faça, não minta para mim. - As palavras pareceram voltar para outra época e lugar, um lugar distante, indistinto, do qual ela não conseguia se lembrar.
- Olha, Chase. Não finjo sentimentos. E o mais importante: não minto. - Ela o olhou diretamente naquele olho feio e em processo de cura. - Só quero começar do zero... sem nada para trás, tudo bem? Nenhum de nós vai fingir nada. Tudo às claras. Vamos tentar fazer dar certo e, se as coisas não funcionarem, então conversaremos.
Ele bufou, como se o resultado já estivesse determinado.
- Me diga apenas que irá tentar, Chase.
- Se isso te fizer feliz.
- Diga. - Cassidy levantou-se, e sua saia enrolou-se por entre as pernas com a brisa que jogou areia para cima de seus pés e fez os galhos suspirarem. - Diga.
Ele hesitou por um segundo e então levantou um ombro.
- Está bem. Vou tentar.
- Ótimo. - Ela foi tomada de alívio. Havia a possibilidade de reconstruírem a vida a dois, reencontrarem o que haviam perdido.
- Mas acho que deveríamos deixar as coisas como estão; portanto, continuarei no quarto de hóspedes, por enquanto. - Ele deve ter percebido o sofrimento em seus olhos, e engoliu em seco ao desviar o olhar novamente. - Considerando as circunstâncias, acho que seria o melhor.
- Temporariamente? - perguntou ela, lembrando-se de sua aversão em tocá-la. Desde o incêndio, não tentara tocá-la nem uma vez sequer, não queria nenhum contato físico, fosse o que fosse, insistia para que se mantivesse longe dele.
- Sim. - Respirou profundamente. - Só até a gente ver para onde o vento vai soprar.
- O que quer dizer que você não confia em mim.
Chase enfiou as muletas na areia e ficou de pé, olhando para ela.
- O que quer dizer que nenhum de nós dois confia de verdade no outro.

Eles jantaram juntos, apesar de a maior parte do que Chase pudesse colocar para dentro fosse batida no liquidificador e chupada por um canudo. Para sua felicidade, os arames que prendiam seu maxilar estavam prestes a ser retirados nos próximos dias. Ele ainda tomava analgésicos e não se interessava muito por purê de batatas nem carnes batidas.
- Me sinto como a porra de um bebê - reclamou ele.
- As coisas irão melhorar.
- Irão? - perguntou Chase, de sua cadeira próxima à janela, e Cassidy sabia que ele não se referia à comida. Atrás dele, sob a luz do sol poente, um beija-flor sobrevoava um comedouro.
- Com certeza. Sua fisioterapia começa amanhã, vai tirar os arames daqui a alguns dias, vai tirar o gesso antes que se dê conta e...
- E ainda estaremos aqui. No limbo.
Cassidy pegou os pratos e os levou para a pia. Planejara ir para casa e conversar com ele, exigir respostas, fazer-lhe perguntas que ele se recusara a responder, mas dera para trás. Por quê? Por que tinha medo da verdade?
- Não há motivo para apressar as coisas, há? - perguntou ele.
Ela quase deixou um prato cair, de tão equivocado que ele estava. Desde o incêndio, sentia o tempo correndo como areia passando pela cintura de uma ampulheta, escapando para sempre. Como fora com Brig. Sentiu o coração apertado.
Chase voltou a se acomodar na cadeira, as pernas esticadas sobre a lateral da mesa, o olho voltado silenciosamente para ela.
- Achei que você estava desesperada para dar o fora.
Franzindo a testa, Cassidy colocou os pratos e as tigelas na lava-louças.
- Eu não queria nadar em águas revoltas - admitiu ela. - Sei que você disse que me amava na noite do incêndio, mas antes disso... bem, você se lembra. Nós nos separamos.
- E você teve um caso - disse, com a voz baixa.
Cassidy negou com a cabeça.
- Nunca. Nunca traí você, Chase, nem nunca trairei enquanto formos casados, serei fiel. - Bateu a porta da lava-louças com força, virou-se e, encostando o quadril na bancada, secou as mãos na toalha. - E espero o mesmo de você. Se não puder confiar em mim, é melhor dizer agora.
Ele murmurou alguma coisa quando o telefone tocou. Olharam um para o outro e deixaram a secretária eletrônica atender na sala de TV. Jornalistas andavam ligando, e Cassidy não estava interessada em falar com eles. Ela ouviria as mensagens mais tarde, e, juntos, eles decidiriam para quem retornariam a ligação.
- Amanhã - disse Chase, empertigando-se -, terei que falar com o pessoal da companhia de seguros, com Derrick e com a polícia. A serraria está fechada há tempo demais. Os homens precisam voltar ao trabalho, temos que recuperar os arquivos e construir um escritório novo, temporário, perto da serraria, ou talvez utilizar um daqueles módulos prontos. - Esfregou o olho, ficou de pé e olhou pela janela, como se estivesse em busca de alguém ou de alguma coisa.
- Deixe o Derrick cuidar disso - aconselhou Cassidy. - Não dá para você fazer muita coisa agora. Quando estiver de pé novamente e...
Chase balançou as muletas sob os braços e levantou-se.
- Estou de pé e com controle completo de minhas faculdades mentais e, desde que eu não abuse dos comprimidos do dr. Okano, estou em condições favoráveis de funcionamento.
- Você devia descansar.
- Enquanto Derrick faz a empresa entrar pelo cano?
- Ele não vai...
- Seu irmão é um mentiroso, um trapaceiro, e vem desviando dinheiro da empresa.
- Você tem provas? - perguntou ela, não muito surpresa. Chase já havia sugerido que Derrick estava roubando, mas nunca investigara de fato.
- O que você acha? - Ele a fuzilou com o olhar, e Cassidy engoliu em seco.
- Por isso você foi à serraria naquela noite? Para checar alguma coisa? - Como ele não respondeu, ela respirou fundo. - Você... você acha que ele provocou o incêndio para destruir os arquivos?
- Não sei o que pensar. Temos cópia de tudo na matriz do escritório, no computador, a não ser que elas tenham sumido. Mas os livros de registro estavam na serraria.
- Não posso acreditar que Derrick faria...
- Não estou dizendo que fez. Só não estou querendo pôr a empresa em risco. Nem a minha vida. - Mais uma vez franzindo os olhos na janela, fez uma careta e foi andando com dificuldade até a sala de TV, com Cassidy em seu encalço. Tinha a mente acelerada com tantas possibilidades. O que Chase estava sugerindo era que Derrick podia ter começado o incêndio a fim de destruir os livros contábeis... ou matá-lo. Ou ambas as coisas. Lembrou-se de como Derrick se tornara cruel na adolescência, mas daí a realizar um incêndio criminoso? Tentativa de homicídio?
Cassidy parou sob a moldura da porta da sala de TV e ficou observando Chase rebobinar a fita da secretária eletrônica. Ele esperava impacientemente e ouvia jornalistas e mais jornalistas deixando recados. Havia uma mensagem de Dena e uma de Felicity, mas nenhuma de quem ele estava esperando. Nenhuma mensagem de sua mãe.
- Onde será que ela se meteu? - resmungou, assim que a voz do detetive T. John Wilson preencheu a sala, anunciando que passaria lá mais tarde.
A careta de Chase intensificou-se, e ele saiu desajeitado da sala assim que a fita parou. Ótimo, pensou Cassidy, com sarcasmo. Exatamente o que eles precisavam. Mais um interrogatório do inigualável T. John Wilson.

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