CAPÍTULO 17

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Tirei minhas luvas com os dentes, passei a marcha da caminhonete e pisei no acelerador. Os pneus cantaram, e dei o fora.
Não corra. Faça o que fizer, você não pode se arriscar, ninguém pode ver você em nenhum lugar próximo ao moinho.
Dei uma olhada no relógio e engoli em seco. Qualquer minuto a partir de agora, pensei, a adrenalina correndo pelas veias. Senti vontade de dirigir em torno do moinho, ver se Angie havia chegado, ou se somente seu amante morreria esta noite.
Não faça isso. Você vai pôr tudo a perder!
Vi meu reflexo no espelho retrovisor e percebi as marcas de excitação em meu rosto. Que correria!
Minhas mãos suavam por cima do volante, e meu batimento cardíaco se acelerava no peito. Meti-me no meio do tráfego, saindo da cidade, e olhei pelos espelhos à procura de quaisquer sinais de polícia ou de pessoas que conhecesse... nada até então. Tudo o que eu tinha a fazer era dirigir para um lugar perto do rio, trocar de roupa e...
Bum!
Uma explosão fez tremer o chão.
Olhei mais uma vez pelo espelho, nada vi por um segundo até surgir um clarão que acendeu o céu noturno como uma tocha.
Isso!
Uma excitação me percorreu o corpo... o homem que havia aparecido no moinho merecia morrer. Que babaca! Quanto a Angie, se não levasse o que merecia essa noite... seria apenas uma questão de tempo.
Ouvi o som de uma sirene... e depois outra... todas na direção oposta à minha.
Exatamente como eu havia planejado.

Piscando por causa da chuva, Rex deixou uma única rosa branca sobre o túmulo de Lucretia. Seus olhos se encheram de lágrimas, e ele percebeu, tardiamente, que havia bebido demais. Teria de ser cauteloso. Sempre havia problemas quando exagerava na bebida.
Ao olhar para a lápide, mordeu o lábio trêmulo. Eu amo você, pensou, embora não tenha dito as palavras. Sempre te amei. No entanto, não fora fiel a ela, nem mesmo quando ainda era viva. E sabia, desde as profundezas escuras de seu coração, que ela ficava para morrer por causa de suas infidelidades. Lucretia tinha seu código de honra e, embora não o quisesse na cama, odiou quando ele se voltou para outras mulheres, a maioria delas sem significado para ele.
A não ser uma.
Agora mais isso... esse tormento de ver Angie todos os dias, de vê-la desabrochar, tornar-se uma mulher tão fisicamente parecida com a mãe que chegava a ser assustador. Às vezes, quando ela entrava no quarto, Rex sentia um nó na garganta e tinha certeza de estar vendo a esposa, ou o fantasma da falecida esposa na pessoa da filha deles. Eram momentos sofridos, quando voltava nos anos e se esquecia de que ela era sangue do seu sangue, quando verdade e fantasia se misturavam, e ele queria - droga, queria mesmo - que ela fosse sua esposa amada.
- Perdoe-me - sussurrou ele, como sempre fazia quando deixava uma rosa em seu túmulo. - Eu lhe faltei muito com o respeito e juro que isso nunca acontecerá novamente.
Pigarreando, voltou ao carro. Havia deixado Dena na festa, embora ela achasse que ele havia saído apenas para caminhar e fumar um de seus charutos. Sem dúvida, a esposa perderia a noção do tempo. Deu uma olhada no relógio, entrou no Lincoln e passou pelos portões abertos do cemitério.

Bang!
Uma explosão sacudiu a terra. Sunny a sentiu sob os pés descalços, e o medo a fez congelar por dentro. A chuva se empoçava no caminho de carros, agitando a poeira quando ela viu as primeiras labaredas. No céu escuro e encoberto por nuvens de Prosperity, cinzas jorraram como mísseis na noite, dedos brilhantes de luz rasgando na subida, rumo ao céu.
Chuva e chamas. Fogo e água. Ela se deixou cair na parede lateral do trailer. Brig. Chase. Buddy. Todos eles morreriam... ela sabia. Seu coração batia acelerado, e ela começou a tremer. Ai, meu Deus, não! Trêmula, sabia, sem sombra de dúvidas, que as visões tenebrosas que haviam perturbado seu sono durante os últimos meses estavam chegando. O fim de seu mundo estava à sua frente.
Não se preocupou com os chinelos nem com o casaco, simplesmente saiu correndo pela chuva e entrou apressadamente no carro. Talvez não fosse tarde demais. Talvez pudesse salvar pelo menos um de seus filhos.
- Me ajude - rezou ela, engatando a ré no velho Cadillac. - Deus, me ajude.
Mas ela sabia que ele não ouviria. Durante toda a sua vida, Ele sempre se fizera de surdo às suas preces. Quando saiu com o carro de baixo da cobertura, as luzes do farol cortaram um cortina de fumaça e banharam o velho trailer com uma luminosidade ofuscante. Viu a placa acima da porta balançando ao vento, fazendo troça dela com suas letras apagadas: QUIROMANCIA, TARÔ, LEITURA DE CARTAS. No fundo, ouvia risadas e gritos, e desejou que pudesse abrir mão de sua vida para salvar a de seus filhos.
- Leve a mim - fez uma prece desesperada, ao virar o velho Cadillac. - Leve a mim ou a qualquer outra pessoa, mas poupe meus filhos!

O último gritoOnde histórias criam vida. Descubra agora