CAPÍTULO 23

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- Então, como se sente como o centro da história, para variar um pouco? - perguntou Selma Rickert, debruçando-se sobre a divisória que separava seu escritório do de Cassidy. Braceletes dourados balançavam em seu pulso, e seus olhos tinham um verde vibrante, cortesia das novas lentes de contato. Parecia nervosa, como sempre parecera desde que o lugar proibira o fumo, e tanto ela quanto outros passaram a ser forçados a sair de vez em quando para fumar um cigarro, em vez de deixá-lo queimando eternamente no cinzeiro que ainda estava em algum lugar em sua mesa de trabalho.
- Para falar a verdade, eu gostaria de ser aquela que faz as perguntas.
- É, sei o que você quer dizer. - Coçando o braço com as unhas pintadas da mão oposta, Selma acrescentou: - Você devia tomar cuidado com o Mike. Ele está doido por uma briga... discutindo com os donos do poder sobre direção e atitude no Times ou outra merda dessas. - Os donos do poder eram Elmira Milbert, proprietária do Valley Times após tê-lo herdado do marido, no ano anterior. - Além do mais, ele está determinado a pegar o furo da reportagem sobre o incêndio e você sabe muito bem de quem.
- De mim? Como se eu soubesse de alguma coisa... - Cassidy pressionou as têmporas e rezou por uma aspirina.
Selma concordou e olhou de relance para o escritório envidraçado do editor-chefe.
- Você é a esposa de uma das vítimas.
- Não sei de nada.
- Mais do que nós, querida. É isso o que importa.
Cassidy sentiu o estômago pesado.
- O que ele quer?
- Como assim, o que ele quer? Uma história, naturalmente. De alguém ligado ao incêndio. Você conhece o Mike. Está sempre procurando um ângulo diferente... afinal de contas, essa é a base deste jornal: um ponto de vista alternativo.
- Mas ele não se importaria com um pouco de sensacionalismo.
Selma abriu um sorriso, exibindo os dentes levemente projetados.
- Não, se isso vendesse alguns jornais. - Piscou e voltou a acomodar-se à mesa de trabalho, enquanto Cassidy ficava olhando para o caos que estava sua escrivaninha. Perdera apenas uns poucos dias de trabalho e, ainda assim, parecia que o mundo inteiro tivera um colapso desde então.
Deu uma olhada nas correspondências, nos e-mails, terminou uma história que havia começado poucos dias antes sobre uma nova trupe teatral e, em seguida, fez uma ligação para o hospital para ver como estava Chase. Ignorando um compromisso cujo prazo seria apenas a semana seguinte, escaneou todas as notícias sobre o incêndio, assim como uma cópia do relatório policial que alguém havia conseguido arrancar das mãos do xerife.
Uma hora se passou antes de Mike Gillespie parar à sua mesa e dar uma olhada na sua cópia do relatório.
- Sinto muito pelo que aconteceu com o Chase - disse ele, e seus olhos, atrás de lentes grossas, pareceram preocupados. Homem robusto, com o início de uma flacidez na barriga, ele cheirava a charuto e café.
- Ele vai ficar bom. Só que levará algum tempo.
- Um horror, mesmo assim.
Ela jamais se sentira nervosa perto de Mike, mas isso porque eles sempre estiveram jogando no mesmo time. Dessa vez, por causa do incêndio, eles estavam em lados opostos... ou, pelo menos, era assim que se sentia.
- Se você precisar de mais tempo de folga... - Mike deixou a frase por terminar, dando a ela a oportunidade de responder, antes que tivesse sequer concluído o próprio pensamento.
- Talvez eu precise trabalhar mais tempo em casa, quando o Chase sair do hospital. Passarei fax das matérias para o escritório.
Ele ergueu um ombro e enrolou a manga da camisa.
- Me comunique apenas. Temos pessoas dispostas a substituir você.
- Eu ficaria grata - disse ela, embora sentisse um nó no estômago como se alguma coisa estivesse prestes a acontecer. Lá vem bomba..., sua mente alertou-a, não o deixe pegar você de surpresa.
- Bill tem trabalhado na reportagem sobre o incêndio.
Bill Laslo era um dos melhores jornalistas de lá. Ela não respondeu, apenas esperou Mike chegar aonde queria.
- Ele talvez queira fazer algumas perguntas, sabe como é, já que o seu pai é o dono do prédio e o seu marido e o seu irmão administram os negócios...
- E meu marido quase foi morto.
O rosto de Mike, de repente, aparentou cansaço.
- São as notícias do momento, Cassidy. Notícias importantes por aqui. É isso o que nós publicamos. Você não estava esperando que ignorássemos o incidente, estava?
- É claro que não. Só não gosto de ser a fonte primária, está bem? Isso já tem sido difícil para a minha família; não vou ser eu a botar os podres familiares na mídia.
- A pimenta arde um pouquinho quando bate nos nossos olhos, não é?
- Apenas diga ao Bill que sei tanto quanto ele. A polícia não tem confiado em mim.
Mike hesitou um pouco e projetou o lábio.
- Da forma como ouvi, acho que eles suspeitam de você.
Cassidy ficou olhando para Mike como se ele tivesse adquirido chifres e rabo.
- Eles disseram isso a você?
- Não, mas você foi chamada para prestar depoimento.
- Porque meu marido foi ferido. Por isso! - quase gritou ela, repentinamente irritada. O que Mike estava querendo? - Falaram com várias pessoas.
- Toda a conversa em Prosperity é a de que a serraria estava perdendo dinheiro e se encontrava completamente coberta pelo seguro.
Ela não aguentaria.
- Então é isso, não é? Pura especulação em cima de mim. Achei que este jornal só publicasse fatos.
- Estamos esperando obtê-los de você.
- Não tenho fato nenhum.
- E quanto ao desconhecido?
Seu coração quase parou, mas ela tentou não se descontrolar.
- Tudo o que sei é que ele está no CTI e não parece bem.
- Acha que ele provocou o incêndio?
Cassidy negou veementemente com a cabeça. Acredito que ele seja o irmão de meu marido... O homem com quem perdi meu coração e minha virgindade.
- Nada sei sobre ele.
- Mas, se descobrir, serei o primeiro a saber, certo?
Mike ergueu as sobrancelhas atrás dos óculos.
- Certo. Logo depois que eu telefonar para os tablóides sensacionalistas.
- Muito engraçado, Cassidy - disse ele, batendo com os nós dos dedos na mesa dela e dando as costas. - Muito engraçado.

O último gritoOnde histórias criam vida. Descubra agora