- O que você está fazendo aqui?
Ao ouvir a voz de Brig, Cassidy quase deixou cair a escova que estava passando pela crina embolada de Remmington. O cavalo bufou, revirando os olhos enquanto balançava a cabeça.
- O que parece? - perguntou ela, sentindo o calor lhe ruborizar as faces. Olhou por cima do ombro para olhos que pareciam fuzilá-la sob a luz rarefeita da estrebaria.
- Chateando o cavalo.
- Ele precisa de cuidados - respondeu com acidez na voz e franziu o cenho quando reconheceu o tom de uma garotinha rica e mimada. Sua própria voz. - Achei, é... achei que seria uma boa ideia.
- Pensei que você não queria um cavalo para exibição.
- Não quero.
- Mas acha que ele se importa se está com a crina ou o rabo lisinhos? - Brig bufou e balançou a cabeça. - Cacete, tudo o que ele quer é te jogar para fora da sela, dar uma mordida no meu braço e montar naquelas éguas lá no cercado. Você devia ver ele se exibindo para as damas. - Seu sorriso saiu torto e cínico, sua voz, baixa e sexual. - Me faz lembrar de Jed Baker e Bobby Alonzo sempre que sua irmã aparece. - Com um sorriso malicioso, Brig subiu os degraus metálicos da escadaria até o depósito de feno. Em questão de segundos, fardos de feno caíram sobre o chão de concreto.
Cassidy não queria que ninguém a fizesse pensar na meia-irmã. Por quase duas semanas, havia se lembrado da conversa que Angie e Felicity tiveram na piscina e observara como sua irmã havia posto o plano em ação. Incomodava-a a forma como ela começara a andar pelas proximidades da cocheira, puxando conversa e sorrindo para Brig enquanto ele trabalhava, rindo para ele, jogando charme. Cassidy queria acreditar que ele estava apenas sendo educado com a filha do patrão, mas estava acontecendo mais do que isso. Ele, como todos os outros homens em Prosperity, reagia a Angie. De macho para fêmea. Não demoraria muito até que os dois estivessem se agarrando e... a imagem dos corpos deles, banhados de suor, ofegantes e excitados, passou rapidamente por sua mente.
Um gosto acre subiu do fundo de sua garganta.
Brig ignorou a escada, simplesmente pulou do depósito de feno e aterrissou com leveza, com as botas.
- E quanto a você? - perguntou ela, quando Brig pegou um canivete, se inclinou e cortou a tira que amarrava o fardo.
- Eu o quê?
- O jeito como age perto da Angie?
Ele bufou ao pisar em outro fardo e cortar a tira. O feno se partiu, lançando uma pequena nuvem de poeira.
- Eu não "ajo" de nenhum jeito especial perto de ninguém, Cass. Você já devia saber disso.
Incomodou-a a forma como ele abreviou seu nome. Como se ela fosse uma das empregadas da fazenda. Ou uma criança.
- Com certeza, age. Todos os caras agem.
- Bem, eu não sou como todos os caras, sou? - Estalou a língua e, montando o fardo partido, encarou-a. Seu olhar se encontrou com o dela e ali se manteve, fazendo com que Cassidy ficasse com a garganta seca. Seu sorriso lento foi tremendamente malicioso. - Você acha que sinto tesão pela sua irmã?
- Eu não disse...
- Mas foi o que quis dizer. - Emitindo um som de descontentamento com a garganta, fechou o canivete produzindo um clique. - Mulheres... - murmurou, ao pegar um forcado que estava pendurado na parede e começar a distribuir o feno pelos comedouros.
Largando a escova de crina num balde, Cassidy passou por cima da portinhola da baia, assim que Remmington começou a comer o feno que Brig colocara em seu comedouro. Brig não parou de trabalhar, simplesmente continuou a colocar feno e mais feno nos cochos. Cassidy observou seu andar relaxado, ao longo da fileira de recipientes. Percebeu a forma como suas coxas e nádegas se retesavam por baixo das calças Levi's, queimadas de sol, quando ele parava e se abaixava, cortava as tiras e jogava mais feno nas baias. Homem irrequieto, estava sempre se movendo. Seu coração se agitava tolamente todas as vezes que ele olhava em sua direção. Não da forma como normalmente fazia.
Ela aguardou, ficando por ali, até ele acabar e retornar à porta.
- Acabou com ele? - perguntou Brig, acenando com a cabeça na direção da baia de Remmington, ao colocar o forcado de volta à parede. - Nenhuma fita nem laçarote?
A raiva se fez presente, mas ela deu um jeito de controlar seu gênio.
- Hoje não. Talvez no domingo.
Brig riu quando eles saíram da cocheira para onde o sol do verão repousava indolente sobre o topo das montanhas a oeste, e vespas sobrevoavam a água espalhada perto das valas. O dia estava desprovido de qualquer brisa, e as roupas de Cassidy estavam pegajosas e úmidas por causa do calor.
- Em breve você vai poder montar o seu cavalo - disse ele, ao levar a mão ao bolso e pegar o maço de cigarros. - Acho que já te disse isso antes, gosto de ir devagar.
- Devagar?
- De forma a não bloquear seu instinto. - Retirando um Camel do maço, olhou para o sol poente e enfiou o cigarro no canto da boca.
- Quero montá-lo agora.
Riscando o fósforo na sola da bota, Brig disse:
- Tenha paciência.
- Ele é meu.
- Você nunca ouviu dizer que a paciência é uma virtude? - Com um sorrisinho irônico, acendeu o cigarro e a observou por entre o tênue véu de fumaça. - Ou é o caso de você... não estar querendo ser virtuosa?
Mais uma vez ele sustentou o olhar, e ela sentiu o estômago queimar.
- Eu só quero montar o meu cavalo.
- Isso vai acontecer. No devido tempo.
- Não posso esperar para sempre.
- Duas semanas não é para sempre. - Ele suspirou profundamente e tirou um pedaço de fumo da língua. - Sabe, Cass, as melhores coisas da vida compensam a espera. Pelo menos é isso o que o meu velho pai costumava dizer antes de bater as botas. Eu não o conheci, mas Chase o conheceu e vive cuspindo essas palavras sábias de um homem que decidiu que não queria ficar e cuidar dos filhos nem da esposa. - Fez uma careta ao dar uma tragada forte no cigarro, formando linhas profundas entre as sobrancelhas escuras. Ficou olhando para um pinheiro solitário num canto do cercado, e Cassidy suspeitou que ele estivesse a quilômetros de distância, relembrando a infância cheia de pobreza e sofrimento. - De minha parte, acho que qualquer coisa que Frank McKenzie tenha dito é um monte de merda, mas o Chase parece achar que o nosso pai era Deus. - Riu sem qualquer traço de humor. - Chase é o otimista. Acha que um dia será rico como o seu velho. Que vai ter uma casa maior que a sua. Você consegue imaginar?
- Por que não? - perguntou Cassidy.
Ele se virou para encará-la de novo e, dessa vez, não havia brilho em seus olhos. Jogou fora o cigarro e o apagou com o salto da bota.
- Porque existe um sistema. O dos que têm e o dos que não têm. O Chase simplesmente não percebeu onde se encontra. É um sonhador.
- E você não?
- É perda de tempo, Cass. - Seus lábios estavam chatos e duros. - Bem, fim do recreio - disse ele, como se, de repente, tivesse percebido que estava conversando com a filha do patrão.
- Todo mundo sonha.
- Só os tolos.
Ela não se conteve. Segurou-o pelo braço como se para impedir que se afastasse. Ele olhou para sua mão e levantou lentamente a cabeça até seus olhares se cruzarem.
- Você... você deve ter sonhos - disse ela, incapaz de abandonar o assunto, a intimidade, o desejo ilícito que começara a se desenvolver em seu íntimo.
Os lábios de Brig se curvaram num sorriso cínico.
- Você não vai querer saber o tipo de sonho que eu tenho, pode acreditar. - Sua voz foi quase um suspiro inaudível.
Cassidy lambeu os lábios.
- Quero. Quero saber.
- Ah, Cass, sai dessa. - Lentamente, ele foi tirando os dedos dela de seu braço, mas seu olhar ainda continuou preso ao dela, e, pela primeira vez, Cassidy viu um brilho significativo, uma emoção profunda que ele escondia, um lampejo de desejo em seus olhos azuis e opacos. - Acredite em mim, quanto menos souber a meu respeito, melhor.
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O último grito
Roman d'amourProsperity, Oregon, 1977. Um incêndio criminoso no moinho da abastada família Buchanan faz Cassidy, filha caçula de Rex Buchanan, dono da propriedade e de metade da cidade, ver sua adolescência e seu amor serem levados pelo fogo. A autoria do incênd...