CAPÍTULO 25

95 3 0
                                    

A serraria estava interditada. Fitas gomadas amarelas seguravam os escombros das serras queimadas, das vigas enegrecidas, retorcidas e onduladas do alumínio destruído pelo fogo, que haviam servido como paredes divisórias dos vários galpões. O escritório era uma estrutura de janelas quebradas e paredes queimadas, o telhado se fora; arquivos, computadores, escrivaninhas e cadeiras, tudo reduzido a entulho negro. Um pouco da madeira virgem havia sido salva, mas pilhas de tábuas cortadas em diversos tamanhos, prontas para embarque, foram arruinadas pelas chamas, e milhares de galões de água eram bombeados para o inferno. Incêndio criminoso. Exatamente como antes.
Fogo e água.
Como Sunny havia previsto.
Embora a temperatura estivesse acima dos vinte e sete graus, Cassidy tremia de frio. Não saiu de seu jipe, apenas deixou o motor ligado no estacionamento esburacado, ouvindo parcialmente o rádio e olhando para o que restava do cerne dos negócios do pai.
Chase não teria incendiado o galpão. Apesar da crise na indústria madeireira, a Serraria e Madeireira Buchanan mantinha-se no mercado, enquanto outras firmas do conglomerado, que eram as Indústrias Buchanan, anunciavam lucros recordes. Quem, em sã consciência, incendiaria uma das poucas serrarias do estado, que produzia a todo vapor, e arruinaria milhares, talvez milhões de metros de tábuas que valiam mais a cada dia, uma vez que o preço da madeira serrada não parava de subir? Chase não era nenhum tolo. Entendia de dinheiro. Crescer na pobreza, desde muito cedo, lhe dera lições na área de finanças.
Pelo para-brisas empoeirado, Cassidy observou as várias pessoas reunidas em torno dos escombros da serraria, espiando pela grade retorcida além da antiga placa de aviso de segurança, com letras que haviam descascado sob forte calor. Elas conversavam e faziam piadas entre si, apontando para uma empilhadeira atingida no incêndio, os pneus furados e derretidos, a ponta dos dentes pretos como carvão, o assento acolchoado queimado e o motor inaproveitável.
Não ouviu o irmão até ele bater no vidro com o nó dos dedos. Abriu a janela.
- Uma merda, né? - comentou ele, meneando a cabeça. O ar quente e úmido envolvia o jipe. Nuvens de poeira bloqueavam o sol, e a voz de Elvis sussurrava nas caixas de som.
Derrick apontou para o rádio.
- Desliga isso aí.
- Por quê?
- Detesto Elvis. Você sabe disso. - Era verdade, desde que eram crianças Derrick reclamava e praguejava, quase enlouquecido, sempre que Angie ou Cassidy tocavam um dos discos que haviam encontrado guardados no sótão, junto com as roupas e os livros de Lucretia.
Irritada, ela desligou o rádio.
- O que você está fazendo aqui?
- Olhando, como todos os outros. - Derrick coçou o queixo, pensativo. Uma mecha grisalha marcava seus cabelos. Quando estava sóbrio, era um homem atraente e que cada vez mais se parecia com o pai, com o passar dos anos. - Minha nossa, que bagunça!
- É - concordou.
- Felicity disse que Chase vai se recuperar.
- Vai. - Soou positiva. Perto do irmão, sempre mantinha boa aparência. Desde o início, ele fora contra seu casamento com Chase, e Cassidy estava determinada a nunca dar a Derrick a satisfação de saber que estivera certo com relação à sua felicidade. Mesmo que ela e Chase se divorciassem, desejou que tudo o que Derrick concluísse é que eles não se davam bem juntos e simplesmente se separariam, sem sentimentos de culpa, sem mentiras, sem suspeitas e, com certeza, sem ódio.
- Ele está indo para casa? - Derrick revirou o bolso à procura do maço de cigarros.
- É, se ele tivesse cooperado, sairia hoje.
- E aí, o que você vai fazer? - Pegou um Marlboro e o segurou com os dentes.
- Acho que cuidar dele. Até ficar de pé de novo. Vai demorar um pouco. Fisioterapia cinco vezes por semana, durante seis meses.
- Ele não vai gostar disso. - Derrick balançou a cabeça e franziu os olhos contra o sol poente. - Você sabe que só vai se aborrecer de novo, ficando do lado dele.
- Ele vai precisar de ajuda.
- E você vai ajudá-lo. Mais uma vez. Sabe de uma coisa, Cassidy? Nunca imaginei você como uma... como é que se diz? Pessoa permissiva, é isso. - Clicou o isqueiro e tragou o cigarro com vontade. A fumaça saiu pelas narinas. - Acho que é só o termo da moda para mulheres que agem como se fossem capacho do homem. Conhece o tipo. Mulher que faz qualquer coisa para manter o homem. Deixa que ele pise nela, esmague suas emoções e seu coração, e continue fazendo o que quer.
Ele parecia estar descrevendo a própria esposa. Felicity era apaixonada por Derrick desde que Cassidy se entendia por gente. Ficara atrás dele no ensino médio, tornara-se a melhor amiga de Angie para que pudesse ficar mais perto e, finalmente, o fisgara com um bebê. Agora, mesmo com a grande afinidade entre Derrick e garrafas e mais garrafas de Jack Daniel's e sua suposta paixão por outras mulheres, ela continuava ao seu lado, a esposa sempre dedicada e martirizada.
Cassidy achou por bem ignorar o ataque à sua personalidade.
- Você quer alguma coisa?
- Na verdade, não - disse ele, observando a desordem, quando o vento ficou mais forte e o cheiro de madeira queimada e da exaustão do motor ligado do jipe inundaram seu interior. - Estava vindo de casa... O papai e a Dena finalmente apareceram. Coloquei-o a par do que está acontecendo por aqui. Aí estava indo para a cidade, quando vi o seu carro. Achei que deveria dar uma parada, oferecer minhas condolências, ou seja lá o que for, e dizer que Dena está procurando você.
Cassidy suspirou.
Não estava pronta para encarar a mãe... ainda não.
Ele fez uma careta.
- Você não precisa ficar colada no Chase só porque ele é seu marido.
- É claro que preciso.
- Ele não merece, Cassidy.
Ela passou a primeira marcha na caminhonete.
- Acho que ninguém melhor do que eu para julgar.
- Sabia que vê-lo assim, de cama, me deixa numa situação difícil?
- Deixa você numa situação difícil? - repetiu ela, incrédula. - O Chase está no leito de um hospital, queimado e em péssimas condições, e isso deixa você numa situação difícil?
- Claro que sim. Tive que arrumar gente para substituí-lo enquanto estiver ausente. Dois advogados, só para começar, e alguns consultores...
- Eu não começaria a procurar gente para colocar no lugar dele tão depressa assim.
Derrick tragou fundo o cigarro.
- O cara está aleijado, Cassidy. Não pode falar mais, não pode andar mais, e, até onde sabemos, pode ter danos cerebrais.
Ela não conseguiu conter o riso, embora um riso amargo.
- É o que você gostaria que acontecesse. Ele está longe de ter danos cerebrais e já está falando. E estará andando mais cedo do que você imagina.
- Pense nisso. Ele não vai conseguir voltar a trabalhar, e eu não posso segurar a empresa sozinho por causa dele. Mas posso comprar a parte dele. Porra, com a quantidade de cotas que ele tem, vocês dois estão feitos na vida.
- E quanto às minhas cotas? - perguntou ela, sabendo que Derrick sempre se ressentira por ela ter uma parte da empresa. Não muito, mas o suficiente para fazê-lo lembrar de que não era o único herdeiro da fortuna do pai.
- Eu as comprarei em breve também.
- Só por cima do meu cadáver. - Cassidy pisou no acelerador, e os pneus cantaram, ao girar rapidamente o volante e sair do estacionamento. Não sabia por que, de repente, se sentira tão possuidora de alguns títulos de ações, mas não deixaria Derrick intimidá-la. A ideia de ele se oferecer para comprar a parte tanto do marido quanto a dela, logo depois do incêndio, não estava cheirando bem, como se ele quisesse tirar proveito da situação.
Deu uma olhada no espelho retrovisor e ficou surpresa diante da determinação que viu refletida em seus olhos. O que havia em seu irmão que podia deixá-la protetora com relação ao marido que não amava havia muito, muito tempo, e, ao mesmo tempo, ávida por ações das quais se teria desfeito com facilidade?
- Você está perdendo o controle - confidenciou para os olhos dourados que a examinavam. - Definitivamente.

O último gritoOnde histórias criam vida. Descubra agora