Ela se sentiu como uma criminosa, amarrando a velha égua a uma árvore na mata que cercava a serraria, aguardando na sombra a troca de guarda. Homens cobertos de fuligem e poeira retiravam seus capacetes, acendiam cigarros, riam e contavam piadas, enquanto passavam pelos portões cheios de correntes, na direção do estacionamento.
Do outro lado da cerca, ficava uma placa grande. Ela indicava que só era PERMITIDA A ENTRADA DE FUNCIONÁRIOS AUTORIZADOS e sugeria que UM LUGAR SEGURO PARA TRABALHAR É UM LUGAR FELIZ. Caminhões de todos os tipos e tamanhos estavam espalhados pelo asfalto esburacado - jipes, caminhões, caminhonetes e sedans. Serras gritavam alto, e empilhadeiras com várias cargas pesadas de toras passavam por entre as grandes pilhas de madeira virgem, cortadas, prensadas e prontas para o transporte.
Cassidy viu quando os homens saíram, os mais novos deixando o estacionamento em carros reluzentes, os mais velhos, com suas famílias, em caminhonetes amassadas e empoeiradas.
O novo turno estava chegando, e ela espiou a caminhonete que procurava, um velho Dodge que uma vez fora azul-turquesa, mas agora tinha manchas cinzentas de selante nos para-lamas e no porta-malas. A caminhonete de Chase McKenzie.
Ele saiu da caminhonete e esticou bem as costas. O coração de Cassidy começou a bater três vezes mais rápido, ao vê-lo tão parecido com Brig e, ainda assim, tão diferente. Dizendo para si que seria agora ou nunca, aguardou a maioria dos homens passar pelo portão antes de chamá-lo.
- Chase!
Franzindo os olhos diante do sol poente, ele se virou.
- Sim?
- Sou eu.
Um sorriso surgiu em seu maxilar quadrado.
- Cassidy. O que você está fazendo aqui? Não. Nem me fale, seu pai quer que todos na sua família vejam, com os próprios olhos, como derrubar árvores.
Cassidy negou, e ele deve ter percebido a preocupação em seus olhos, pois seu sorriso foi desaparecendo aos poucos.
- É sobre a Angie, não é? E sobre o Brig.
- Fiquei imaginando se você teria notícias dele.
Os olhos de Chase escureceram, passando para um tom azul-acinzentado.
- Não tenho, e, se a mamãe tem, guardou para si.
- Ah. - Não conseguiu esconder o tom de derrota na voz e chutou o cascalho com o bico da bota.
- Eu... é... sei que você estava interessada... bem, interessada nele.
Ela levantou os olhos com raiva, imaginando se ele estaria de gozação, mas ele falava sério.
Chase hesitou, ficou com o olhar distante. Em seguida, como se estivesse pesando todas as opções, acrescentou:
- Se eu souber de algo, avisarei.
- E a sua mãe?
- Você terá que perguntar a ela pessoalmente. - Ele balançou a cabeça e pareceu exausto de repente. - Não sei o que ela irá dizer; ela... é... não está lidando muito bem com a situação.
- Ah, sinto muito.
- Eu também - murmurou. - Eu também.
Cassidy ia se virar, mas ele a segurou com força, e suas mãos brutas envolveram seu pulso fino. A ponta de seus dedos pareceu fazer pressão em sua pulsação.
- Olha, sei que é difícil e... certamente este não é o lugar para falar sobre o assunto, mas farei o que puder por você e... bem, se precisar de alguma coisa... Sei que parece idiota, considerando a sua situação e a minha... Mas estou falando sério... se precisar de alguma coisa, pode contar comigo.
Ela engoliu em seco e olhou dentro de seus olhos perturbados.
- Obrigada... Eu... não vou precisar, só queria notícias do Brig.
Uma sombra passou pelo rosto dele, e seu maxilar se contraiu um pouco.
- Você entendeu - disse ele, antes de soltá-la e correr pelo estacionamento, ajustando o capacete na cabeça ao passar pelo portão aberto.O trailer, que já vira dias melhores, estava começando a enferrujar. Cassidy experimentou um sentimento de culpa imensurável por ter crescido na mansão que seu pai havia construído para Lucretia, enquanto Brig e Chase moravam ali, naquele trailer velho e pequeno, cinco metros por vinte e sete, durante toda a vida.
Sentindo um nó na garganta, dirigiu o sedan da mãe ao longo do caminho de cascalho e parou atrás do carro de Sunny. O gato de pelúcia a olhou com desinteresse, e Cassidy enfiou as chaves na bolsa. Havia pegado o carro sem permissão, enquanto Dena e Rex estavam em Portland, pois não aguentava mais ficar sem notícias. Rezara durante todo o trajeto para não ser pega pela polícia, uma vez que ainda não tinha carteira de motorista. Dera sorte. Até então.
Um suor nervoso se acumulara em sua nuca, e ela aguardou um segundo até a poeira baixar no para-brisas. Sentiu uma corrente de ar nas costas, apesar de as janelas estarem fechadas. Estava nervosa. Só isso. Rangendo os dentes, sabia que não poderia postergar sua missão para sempre e não tinha muito tempo; seus pais voltariam logo. Fez um esforço para sair do carro.
O degrau da frente da casa da família McKenzie era um caixote empoeirado, e a placa enferrujada balançando em cima da porta estava gasta e marcada por tiros.
- É agora ou nunca - disse para si mesma, levantando a mão para bater à porta.
Antes que pudesse bater, Sunny a abriu, com os olhos escuros e assustados, linhas profundas de cansaço em torno da boca. Seus cabelos pareciam ter embranquecido nas últimas semanas.
- Você é a menina Buchanan. - Foi uma afirmação, não uma pergunta.
- Sim, e eu gostaria de falar com a senhora, pedir desculpas pela forma como foi tratada em minha casa. Eu... eu sinto muito.
A porta foi escancarada.
- Seu pai culpa Brig pelo incêndio. Pela morte de sua irmã.
- Não. São o xerife e o meu irmão que... - De que adiantava? Ela elevou os olhos límpidos para a mulher mais velha. - Eu não.
Um sorriso tremulou nos lábios de Sunny.
- Mas o seu pai... sua irmã era a filha preferida dele, e ele se sente como se uma parte de sua alma tivesse sido arrancada. Precisa culpar alguém.
- Acho... acho que sim. - Cassidy sentiu um frio de premonição ao olhar para Sunny, com seus olhos castanhos intensos. Sunny McKenzie era interessante, mas meio assustadora.
- Entre, por favor.
Lá dentro, o trailer estava tão acabado quanto do lado de fora, o piso tinha um rastro gasto, o tapete felpudo estava desbotado e ralo. Cassidy teve dificuldade de imaginar Brig, tão selvagem e livre, uma alma rebelde, vivendo ali, em cômodos tão entulhados. Um rádio perto da pia tocava música gospel. Sunny o desligou.
- Você quer notícias dele - disse Sunny, gesticulando para uma cadeira de plástico perto da mesa. - Do Brig.
- Quero.
Os olhos de Sunny brilharam.
- Não queremos todos? Ele não telefonou, não escreveu e está longe. Talvez já esteja morto. Não sei dizer. - A tristeza pesou sobre seus ombros.
- Ele não está morto. - Cassidy jamais acreditaria que Brig não estivesse vivo.
- Espero que você tenha razão. - Mais uma vez, o sorriso triste. - Mas vejo muita dor para ele e... - Sunny balançou a cabeça - e morte. Fogo e água.
- Olha, eu não sei nada sobre as suas visões, ou seja lá o que forem. Só vim aqui porque queria falar com o Brig, ver se ele está bem, se a senhora tinha notícias dele... ei!
De repente, Sunny aproximou-se, segurando a mão sadia de Cassidy, apertando-a com seus dedos calejados e fechando os olhos. Ela sentiu vontade de se afastar, mas não ousou mover-se assim que os olhos escuros da mulher ultrapassaram seus ombros, atingindo meia distância, tendo uma visão.
Com a pele arrepiada, Cassidy mordeu o lábio. Aquela mulher era tão diferente dos filhos... tão assustadora. Lá fora, o vento começou a soprar mais forte, e a placa que anunciava leitura de mão gemeu alto.
O coração de Cassidy quase parou.
Sunny suspirou.
- Eu... eu sempre acreditarei que Brig está vivo - disse Cassidy, finalmente arrancando o braço. - Ele está vivo e bem, voltará para Prosperity e provará sua inocência.
Olhos castanhos e cansados olharam para ela.
- Vejo apenas sofrimento em seu futuro - disse Sunny, repentinamente preocupada. - Sofrimento, morte, e você, Cassidy Buchanan, você causará tudo isso.
- Não... - disse Cassidy, já se aproximando da porta. Fora um erro ir até lá. Pelo menos uma vez, o xerife tivera razão. Sunny deveria ser internada, colocada numa instituição para deficientes mentais, para falar de suas visões com outros pacientes. - Apenas diga ao Brig que me preocupo com ele. Que eu gostaria de saber se ele está bem, se...
- Já está escrito. Você se casará com o meu filho.
- Casar com ele? - repetiu ela, suando, ansiosa, o coração acelerado. - Mas ele foi embora... foi a senhora quem disse que acha que ele pode estar morto. - Pôs a mão na maçaneta e a puxou com força. Uma rajada de vento soltou a porta de sua mão e a bateu fortemente contra a parede.
- Não com Brig.
- O quê? O quê? Não com Brig? - A mulher era doida. Cassidy tropeçou no degrau e foi correndo para o carro da mãe, mas a voz de Sunny a seguia, como uma sombra da qual não podia escapar.
- Cassidy Buchanan - a voz avisava acima do barulho do vento -, o homem com quem você se casará será o meu outro filho.
Ah, meu Deus, não! Quero sair daqui. Atrapalhou-se para encontrar as chaves do carro.
- Um dia, filha, você se tornará esposa de Chase.
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O último grito
RomanceProsperity, Oregon, 1977. Um incêndio criminoso no moinho da abastada família Buchanan faz Cassidy, filha caçula de Rex Buchanan, dono da propriedade e de metade da cidade, ver sua adolescência e seu amor serem levados pelo fogo. A autoria do incênd...